Des. Maria Helena G. Povoas |
Caro
leitor, certa feita o escritor Gabriel Garcia Marques foi quem me ensinou que a
vida não é aquela que a gente vive, mas aquela que a gente recorda e como
recorda para contá-la. Depois que
descobri, contando os meus anos, que muito provavelmente terei menos tempo para
viver daqui pra frente do que já vivi até agora, essa lição de Marques ganhou
ainda maior significado para mim.
Já
não me parece fazer tanto sentido apenas rememorar as experiências pelas quais
passei se também não as compartilho com os meus próximos, especialmente com os
mais moços. Uma dessas histórias que tenho guardada comigo, e que penso que
vale a pena ser lembrada e, sobretudo, contada, é a história da urna
eletrônica.
Primeiro
porque – muitos não sabem disso – o primeiro protótipo do que veio a originar a
urna eletrônica foi concebido pela Justiça Eleitoral de Mato Grosso, no ano de
1993, o que muito me orgulha. Lembro que a “máquina de votar”, como era
denominado o protótipo, foi utilizada para a realização de eleições em bairros
de Cuiabá nos anos de 1993 e 1994, muito antes de seu uso ser oficialmente
autorizado pelo TSE, em 1996.
Segundo
porque a concepção da urna eletrônica não almejou apenas a velocidade da
apuração, como se poderia imaginar. Muito antes disso, seu objetivo era o de
efetivamente assegurar a todos os cidadãos brasileiros o direito do voto, aí
incluídos os analfabetos e pessoas com necessidades especiais.
Como
se sabe, a urna eletrônica dispõe de mecanismos tecnológicos que permitem que
esses cidadãos exerçam seu direito universal sem interferência direta de outras
pessoas. Suas teclas, na mesma posição em que aparecem nos aparelhos telefônicos,
e a exibição da foto do candidato na tela, simplificaram muito o ato de votar,
tornando-o realmente acessível a milhões de brasileiros. De outro lado, as
inscrições em braile e a confirmação auditiva da opção digitada asseguraram o
direito do voto aos eleitores com necessidades especiais. O resultado da
inovação é facilmente sentido na queda brusca que sofreu a quantidade de votos
brancos e nulos observada desde a implantação da urna eletrônica.
Nas
eleições para vereador de 1996, em que apenas um terço do eleitorado nacional
votou em urnas eletrônicas, os votos brancos e nulos somaram 13.51% do total.
Quatro anos depois, nas primeiras eleições totalmente informatizadas, esse
percentual despencou para 6.09%.
Em
artigo publicado no portal scielo, o professor Doutor da Universidade de
Brasília, David Fleischer, constatou o seguinte:
“Sem
dúvida, este fenômeno se deve em grande parte à utilização da urna eletrônica
em todo o Brasil em 2000, enquanto esta técnica foi experimentada em apenas 51
das maiores cidades em 1996.”
Dou
outro exemplo. Nas eleições presidenciais de 1994, 17,66% dos votos dados por
cidadãos matogrossenses foram nulos ou brancos, enquanto que no segundo turno
das últimas eleições presidenciais (2014), foram apenas 3,04%.
Se
a porcentagem de votos brancos e nulos verificada no pleito de 1994 fosse
repetida 20 anos depois, nas eleições de 2014, teríamos aproximadamente 300.000
eleitores à margem do processo eleitoral, apenas em Mato Grosso.
Portanto,
a criação e aperfeiçoamento da urna eletrônica foram capazes de dar vida ao
espírito da Constituição Cidadã de 1988, buscando, cada vez mais, salvaguardar
o sufrágio universal, livre e soberano, conquistado por meio de muita luta e
sofrimento do povo brasileiro.
Não
bastasse isso, a urna eletrônica também trouxe mais segurança ao voto. Os
indícios e suspeitas de manipulação dos dados eleitorais reduziram
drasticamente se comparados à época em que eram utilizados os boletins de urnas
e mapas de votação, propensos a servir de camuflagem da vontade do eleitor,
golpeando de morte a cidadania.
A
exemplo do Brasil, muitos outros países já se utilizam de urnas eletrônicas em
suas eleições, como o Canadá, Rússia e Bélgica. Os Estados Unidos, depois de
experimentarem uma dura recontagem de votos em cédulas, na disputa envolvendo
George W. Bush e Al Gore, decidiram lançar mão das urnas eletrônicas em 39 dos
seus 50 estados.
Enfim,
a história que a urna eletrônica nos conta é a de que agimos corretamente ao
decidirmos ficar do lado da tecnologia.
Infelizmente, tenho visto alguns movimentos sociais dizerem o contrário,
especialmente após as últimas eleições gerais, em que a disputa presidencial
foi bastante acirrada.
De
certa forma, é relativamente comum que os candidatos derrotados desencadeiem
campanhas desse estilo. No entanto, fico muito preocupada quando noto que a
proposta do fim da urna eletrônica surge agora de dentro de uma parcela da
sociedade que, de modo irresponsável, suscita a existência de resultados
manipulados, incitando e conclamando o povo a ir as ruas protestar.
É
preciso analisar com honestidade, antes de se utilizar das massas para
exteriorizar opiniões e implantar a dúvida quanto aos resultados do pleito, se
dispomos de algum método mais seguro e democrático para ouvir os cidadãos do
que as urnas eletrônicas. Nossa história diz que não.
A
urna eletrônica possui um sistema de criptografia; sua preparação é pública e
devidamente acompanhada pelos candidatos, representantes partidários e
Ministério Público; não se conecta a qualquer rede de dados; é sujeita à
auditoria pública e seus resultados são impressos no final da votação, sendo
publicados na porta da seção eleitoral e entregues aos fiscais presentes,
podendo assim ser conferidos e totalizados inclusive por quem não possui
conhecimentos técnicos.
A
inviolabilidade da urna eletrônica é um fato, até o momento irrefutável, ao
contrário do que ocorre com a urna de lona e as cédulas de papel.
Porém,
se você é daqueles que ainda não se convenceram dos benefícios do avanço
democrático que a urna eletrônica proporcionou ao nosso país, estou aberta para
ouvi-lo contar a sua história.
[1] Desembargadora e Corregedora Regional
Eleitoral em Mato Grosso. – FONTE:
http://www.folhamax.com.br/opiniao/a-que-veio-a-urna-eletronica/30023
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