Eliana Bess[1]
Orgulhosamente a comunidade
de Mata Cavalo, em Nossa Senhora do Livramento, celebrou no domingo (12.06) o
111 ano de vida do mais antigo remanescente quilombola do local, Antônio
Benedito da Conceição, o seu ‘Antônio Mulato’. Entre tantas lembranças,
impossível a história não registrar sua coragem na luta pelas melhorias de seu
povo. Pai de 13 filhos, sem saber ler nem escrever, foi ele quem travou a luta
pela instalação de uma escola na comunidade, na década de 40, para que sua
descendência tivesse um destino pautado no direito à educação.
“Minha avó nasceu em 1936 e
assim como os demais irmãos dela, quando chegou a época de irem para a escola,
seu Antônio não pensou muito e foi atrás do prefeito para implantar uma escola
para que a criançada pudesse estudar. Naquele tempo, ele já vislumbrava que o
estudo era o mais importante tesouro que poderia dar aos filhos”, confidenciou
uma das bisnetas do remanescente, Gonçalina Eva de Almeida, superintendente de
Diversidade da Secretaria de Estado de Educação, Esporte e Lazer (Seduc).
Com sua insistência e
determinação, seu Antônio foi atrás de alguém que cedesse um terreno para a
instalação da primeira escola da comunidade. Conseguiu um aliado, seu
‘Manequinho’, o benemérito que permitiu que a unidade escolar funcionasse em
suas terras.
Mas Antônio Mulato afirma
que no primeiro dia de aula, apesar de ter sido ele o intermediador para que a
escola chegasse em Mata Cavalo, seus filhos não puderam entrar em sala. “Como
naquele tempo não tinha professora negra, veio uma branca de Nossa Senhora de
Livramento, chamada Cira, para dar aula. E meus filhos foram contentes para o
primeiro contato com a escrita. No entanto, a escola não era muito grande, dava
para começar, mas não suportava todos os alunos. A professora então selecionou
só os brancos e mandou os negros de volta para casa porque não havia espaço
para todos”, relembra ele, ao contar para os netos.
Seu Antônio Mulato não se
intimidou e furioso ‘comprou’ a briga com a professora e foi falar com o
prefeito. Chamou novamente a comunidade para o debate. Resultado? Conseguiu as
vagas para os filhos e outros negros e assim, nessa luta, acabou passando para
aos seus descendentes o legado no processo educativo. Para seu orgulho há entre
os filhos, professores, advogado, fazendeiros, seguindo as carreiras que escolheram
e se transformando em cidadãos.
“É um orgulho para nós,
porque mesmo antes de ter os direitos solidificados, já tinha alguém que
pensava, que defendia os direitos dos seus filhos, principalmente o direito à
educação formal. Meu bisavô era um visionário para seu tempo. Ele pensava ‘se
estudarem vão ser alguém na vida’ e com esse objetivo ensinou seus
descendentes”, destacou Gonçalina, que se formou professora e lecionou na
comunidade. Ela trabalhou não na escolinha original, porque o local cresceu e
acabou ganhando uma unidade estadual, a Escola Estadual Tereza Conceição
Arruda. O nome escolhido para a escola é em homenagem a uma das filhas de seu
Antônio, já falecida.
Tradições
Atualmente moram na
comunidade Mata Cavalo 300 famílias, algumas delas com até oito filhos. Ou
seja, cerca de 1.200 pessoas. É também a comunidade que mais tem se esforçado
na luta pela conservação de suas tradições e das terras.
A memória teve um papel fundamental
na construção da identidade do grupo e na conservação dos valores ancestrais,
transmitidos de geração em geração pela educação informal, realizada nas festas
tradicionais, na organização social e do trabalho e em outras experiências
vividas no cotidiano das famílias.
Seu Antônio nasceu, cresceu
e vive até hoje na comunidade. Casou-se duas vezes. Da primeira companheira,
com quem teve seis filhos, ficou viúvo. Teve um relacionamento passageiro que
lhe rendeu uma filha. Depois se casou com a atual esposa, com quem tem outros
seis filhos.
Aniversário
O almoço comemorativo ao
aniversário de seu Antônio foi simples, mas do jeito que o aniversariante
gosta. Cozidão, feijão com catuni (joelho de boi) e uma boa farofa de banana,
ali mesmo, em Mata Cavalo. Mas o mais importante, ele estava rodeado pelos
familiares e amigos. Assim o mais antigo remanescente de Mata Cavalo celebrou
os 111 ano de muito aprendizado.
[1] Assessoria
SEDUC-MT – Fonte: http://www.seduc.mt.gov.br/Paginas/Mato-grossense-mais-antigo-celebra-111-anos-como-um-vision%C3%A1rio.aspx
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