Luiz Carlos Cagliari
A escola não é um lugar onde se aprende apenas a lição da matéria. É um lugar de formação, de educação para a vida, e isto implica mais que uma prova ou uma nota, implica a formação de um caráter, de uma cultura, de um modo de se comportar, enfim, de uma filosofia de vida.
Neste trabalho pretende-se discutir, em linhas gerais, a relação entre avaliação escolar e a promoção dos alunos. Quer uma coisa, quer outra, dependem crucialmente da conduta e do julgamento do professor e da atuação e da participação do aluno nas atividades escolares. As conseqüências recaem sobre o aluno, de maneira direta e mais forte, mas também sobre a escola e a comunidade, de maneira indireta. Afinal, quando um aluno é reprovado isso significa um fracasso, e quando o aluno aprende e progride, é uma vitória. Esses fracassos e vitórias pertencem, em primeiro lugar, ao professor e ao aluno e, em seguida a todos os que estão ligados à atividade escolar. A própria comunidade depende do bom desempenho dos alunos e dos professores para poder manter uma cultura e a mão-de-obra adequada para sua vida e desenvolvimento.
Na vida escolar dos alunos, o professor é um juiz. Mas é preciso acrescentar que sua decisão se baseia, em grande parte, em parâmetros e regras que lhe são propostos ou mesmos impostos. Estas restrições tiram, em grande parte, seus poderes de decisão. Um professor é solicitado a dar notas e seus alunos mesmo que discorde deste procedimento. Embora ninguém o obrigue a dar zero ou dez a determinado aluno, seja ele quem for, muito estranhamente algumas pessoas (diretores, supervisores, etc.) acham censurável um professor que só dá notas elevadas para a classe toda e estranham menos ou lhes causa menos espanto quando um professor só dá notas baixas para um grande número de alunos. O primeiro tipo de professor é considerado incompetente, e o segundo, exigente e bom mestre. Vendo de perto a atuação do professor destes dois tipos, em geral o segundo tipo ensina pelo terrorismo e consegue bons resultados dos alunos em provas e exames, mas o primeiro tipo ensina ao aluno que estudar é mais importante do que tirar nota alta em prova, que a vida vale mais do que sair bem em um exame.
O patrão (órgãos públicos) tem o direito de pedir que o professor avalie seus alunos e decida a respeito da promoção deles e, por outro lado, tem o dever de acatar o que o professor decidir, naturalmente, exigindo dele competência, justiça, bem senso, tornando-o, deste modo, livre e responsável pelo que faz.
Para prestar contas aos órgãos públicos, um professor precisa simplesmente traduzir sua avaliação em valores (notas, conceitos, etc.) que lhes são solicitados. Nenhum órgão público diz qual é a nota que determinado aluno deve receber, nem quantos por cento dos alunos de uma classe precisam ser aprovados ou reprovados. Por isto, o professor deve deixar de lado toda atividade do tipo prova, teste, questionário, resolução de problemas, exercícios de perguntas específicas sobre textos ou questões para se quantificar uma nota ou conceito. Em vez disto, poderá usar uma avaliação abrangente que envolve toda a vida escolar do aluno, de modo particular seu desempenho nos trabalhos das disciplinas. Neste último caso, o professor também tem condições de avaliar não só o desempenho do aluno, como também decidir sobre sua promoção. Na verdade, o ideal seria não haver notas em nenhuma situação, seria uma escola com promoção automática. Mas isto requer uma grande mudança não só nas leis como, principalmente, na cabeça das pessoas, sobretudo daquelas que há muitos anos lidam com os negócios da educação. Afinal, não se muda a história nem a cabeça das pessoas somente com a publicação de uma lei. É preciso uma vontade de fazer e a competência para realizar o que se pretende. Por outro lado, aceitar pacificamente o status quo por preguiça ou medo de enfrentar o novo é covardia e falta de profissionalismo. Aqueles professores que encaram a própria atividade docente como uma espécie de “sacerdócio” ou “obra beneficente” deveriam deixar de lado esta mentalidade e encarar o próprio trabalho como uma atividade profissional, como qualquer outra. A falta de profissionalismo dos professores é, sem dúvida, uma das razões pelas quais as nossa escolas não tem uma boa qualidade de ensino. Se os professores fossem mais exigentes como profissionais, nossas escolas não teriam um número excessivo de alunos (escolas com muitas jornadas ou períodos, salas de aulas com quarenta ou mais alunos). Com um espírito profissional mais atuante, um professor não se submeteria a receber um salário indigno de sua profissão.
A maneira tradicional de avaliar está ligada a promoção dos alunos. Toda nota que eles ganham é computada para julgamento de promoção no final do ano. Uma análise séria, profunda e honesta de como as notas funcionam nas escolas revela que o professor não leva em conta o progresso do aluno, quando atribui determinada nota a ele, mas apenas o desempenho do aluno em tarefas cuja avaliação de certo/errado o professor pode traduzir em notas. Essas atividades de avaliação são feitas em ocasiões especiais, em geral com data marcada. Isto dá aos dias de prova um valor exageradamente importante e os demais dias um valor sem importância alguma, complicando a ação pedagógica de formação até o ensino. Alguns professores, para compensar tal distorção, gostam de dar notas todos os dias, ou quase todos os dias, razão pela qual estão sempre aplicando ditados, testes-relâmpago, tomada de lição oral do dia anterior, etc. Não é aumentando desse modo o número de dados para computar a média que eles aliviam os problemas de nota de seus alunos ou tornam a avaliação mais justa, honesta, adequada, etc.
As provas (ditados, problemas, exercícios, etc.) são um instrumentos, às vezes, usados por alguns professores para se vingarem dos alunos (da escola, da vida, etc.) . Este tipo de atividade se presta bem a ser uma armadilha. Um professor com alguma experiência sobre o que se perguntar e como fazer isto, acha facilmente um tipo de avaliação no qual determinados alunos vão mal, ganhando notas baixas. O mau humor ou a vingança do professor, ás vezes, estão estampados claramente em suas provas e notas, e os alunos quase sempre percebem isto, mas são impotentes diante de tal barbárie. Esta é uma forma de violência que avilta, mas que é vista por alguns como um “corretivo pedagógico”, quando, na verdade não passa de um grande equívoco e de aberração.
Se não houver nota na escola, não haverá mais necessidade de se usar dos mecanismos que geram as notas, como os exames, as provas, os testes, os questionários, os ditados, os exercícios de compreensão, de interpretação e coisas semelhantes. Deste modo, o aluno deixa de lado a postura de que deve estudar para ganhar nota e passar de ano e passa a ter objetivos mais nobres na vida escolar, como o de que deve estudar com responsabilidade própria porque o estudo lhe trará uma vida melhor.
Há argumentos de natureza pedagógica que mostram que os objetivos dos estudos são as notas ou passar de ano, mas não vamos nos deter neles. Há uma farta literatura a respeito. Faremos apenas um ou outro comentário, porque estamos mais interessados em ver a prática escolar do que as teorias pedagógicas.
A promoção é condição de o aluno poder ver coisas novas, participar de novas atividades educacionais e, conseqüentemente, somar experiências novas à sua vida. A repetição de ano, fazendo o aluno tentar de novo um mesmo caminho para ver se apresenta melhores resultados nas suas tarefas de avaliação, é uma forma de trilhar um novo caminho para se apreender na vida escolar, e na vida, de modo geral. Praticamente, cada pessoa encontra-se num caminho diferente de aprendizagem. Por isto, pré-fixar um único modo de aprender é um absurdo, como é igualmente um absurdo esperar que todas as pessoas sejam iguais.
Há ainda um argumento, a meu ver, muito forte e sério: a nota não garante a aprendizagem. A promoção não é, pois, tão justa quanto parece. Um aluno que foi mal nas provas e ficou reprovado pode ser igual a um que passou de ano e depois se esqueceu do conteúdo destas provas. Porque este aluno que só se lembrou do conteúdo durante a prova não volta para a série anterior, como teve que fazer o aluno que não se lembrou do conteúdo durante a prova? Que diferença faz o primeiro aluno ou o segundo na série seguinte? A única diferença entre eles foi a nota da prova, não o processo de aprendizagem! E se acontecer de um aluno que foi mal no dia da prova se lembrar depois muito bem de todo o conteúdo da prova, tal aluno poderá pleitear ir para a série seguinte, do mesmo modo que foram promovidos seus colegas que foram bem na prova ? É bom ter em mente, aqui, que um ponto ou até mesmo meio ponto numa das provas feitas durante o ano é o suficiente para aprovar ou reprovar um aluno. O critério das provas tem estas sutilezas que nem sempre os professores gostam de trazer à tona. Um aluno que estuda muito por conta própria, superando em muito o que o programa exige, pode pular uma série uma vez que já sabe tudo o que irá ser ensinado em determinado ano ? Afinal de contas quais são os critérios usados pela escola? É saber? É seguir uma burocracia ? A maneira como as leis que regem a educação juntam saber e burocracia é um mistério, ou melhor dizendo, um amontoado de nonsense.
Se, em vez da nota, fosse usado um acompanhamento do progresso dos alunos, a tarefa escolar teria continuidade natural de um ano para o outro, de um professor para outro, e o aluno não precisaria justificar, em ocasiões especiais, com medo ou sem medo, os conhecimentos que a escola espera que ele domine, nem a escola ficaria em situações embaraçosas como as apontadas acima.
Na escola de hoje, o aluno gasta mais tempo e esforço em aprender a fazer provas e em passar em teste de todos os tipos em todas as séries do que em apreender a matéria propriamente dita e a operar com esses conhecimentos. Os estudos do 2º Grau, e sobretudo dos cursinhos pré-vestibulares, chagam ao extremo dessa situação, e os alunos estudam somente através de provas e problemas, simulando os exames vestibulares. A educação chegou a esta aberração por culpa própria, por causa da ênfase equivocada que dá à nota e à promoção escolar. Esta atitude escolar é sua marca registrada, um dos estereótipos escolares mais típicos na nossa cultura: para tudo que se quer avaliar ( concursos, competição, etc.) faz-se uma prova, um teste, etc., à moda da escola, ou simplesmente se dá uma nota de zero a dez. Até para os constituintes que elaboraram a nova Constituição do país (1988) foram atribuídas notas, de acordo com o desempenho de cada um nas votações. Isto prova, mais uma vez, que a sociedade pensa e age, em grande parte, em função do que a escola ensina e de como faz isto.
Uma das objeções que ouço sempre, quando falo sobre prova, nota e promoção, é a de que os alunos precisam fazer os exames vestibulares, as pessoas fazem concursos e, se não aprenderem a fazer provas e ganhar notas, não saberão se virar nestas ocasiões. Esta parece ser uma objeção séria e forte, mas, na verdade tem uma resposta simples e clara. Os exames vestibulares e os concursos são do jeito que são, hoje, porque eles se baseiam no que a escola e faz e como faz. Se e escola for diferente, sem provas e sem notas, não faz sentido ter exames vestibulares e concursos com provas e notas. É a escola que dita as normas para a sociedade e não o contrário. Neste caso, é falsa a idéia de que a escola precisa se adequar à realidade da sociedade. A sociedade inspira-se na escola, e se a escola for diferente a sociedade também será diferente, aliás, como se pode constatar, comparando a nossa situação com o que acontece em países diferentes que tem escolas diferentes. Nós somos o que nossas escolas querem que sejamos.
As notas refletem uma cobrança que o professor faz da sua atividade de ensino: os pontos do programa, as lições do livro, as atividades desenvolvidas pelo professor em sala de aula, etc. Os resultados das provas mostram até que ponto o aluno repete o professor, age segundo ele, sabe o que ele sabe e do jeito que ele ensina.
A avaliação como processo metodológico na prática pedagógica do professor, deve incidir sobre a aprendizagem que o aluno desenvolve sobre suas atitudes. Aqui, a avaliação é uma análise do progresso que cada aluno desenvolve. Tudo o que o aluno faz serve para o professor avaliar, adaptar seu ensino a situação real da sala de aula e mostrar ao aluno qual é o passo seguinte que ele deverá dar para progredir. Esta atitude deverá estar presente em todas as aulas de todas as séries.
Dentro da perspectiva apontada no parágrafo anterior, em lugar de provas, etc. o professor deveria desenvolver outras atividades. Assim, poderá promover trabalhos de pesquisa com a produção de relatórios orais ou escritos, feitos por indivíduos ou por grupos de alunos, nos quais os alunos desenvolverão temas mais gerais, abordados ou sugeridos pelo professor. Por exemplo, na primeira série, os alunos podem pesquisar a história da escrita, o mundo da escrita que os cerca, as línguas indígenas do Brasil, ou escrever “tudo sobre o sapo, a tartaruga”, a vida de Thomas Edson, Castro Alves, etc. Nesta Perspectiva de trabalho, haveriam também trabalhos e tarefas específicas, como a produção de textos, a leitura, o uso do dialeto padrão na leitura e na fala, o uso da ortografia na escrita e uma série de outras atividades de que a escola se serve numa prática pedagógica seria interessante. Tudo isto o aluno deverá realizar orientado pelo professor. Ainda Sem essa orientação, os alunos poderão proceder a análise e descrições lingüísticas, substituindo com este tipo de atividade os tradicionais exercícios gramaticais e “estruturais”. Como se pode observar este tipo de avaliação ocorre todos os dias e não acontece somente em ocasiões especiais, como os dias de batalha onde os alunos precisam vencer um inimigo terrível chamado “nota”. Avaliar o desempenho dos alunos nos trabalhos é uma questão de atenção do professor com relação ao aluno, uma obra pedagógica verdadeira que não precisa de um outro tipo de evidência, de “prova” nem de questionários de avaliação para nota.
O professor podem, a cada mês fazer um balanço de seu trabalho e do progresso de cada aluno e discutir com ele os resultados e propostas de trabalho futuro. No final de cada semestre, seria interessante uma avaliação mais crítica do que se fez e aproveitar esta ocasião para as tomadas de decisão eficazes e importantes para melhorar o desempenho dos alunos e a prática do professor. No final do ano deveria haver uma avaliação na forma de um balanço geral, levando-se em conta tudo que aconteceu durante o ano. É o momento de fazer uma grande prestação de contas do professor para consigo próprio, para com seus alunos, para com a escola, para com a comunidade, e dos alunos para consigo, para com o professor, para com os colegas, para com a escola e para com os pais. Deve nascer desta prática uma grande discussão e um documento que registre este momento tão importante na vida escolar de todos. Assim como as empresas fazem um balanço econômico no final do ano, do mesmo modo a escola deveria fazer um balanço da formação que resultou no ano que acaba.
Um trabalho deste tipo raramente encontrará um aluno, no final do ano, que não possa ou não mereça ser promovido.
Há duas práticas escolares que são inadequadas metodologicamente e injustas socialmente, refletindo um abuso de poder do professor sobre o aluno. A primeira, como vimos, é usar provas, testes, etc. para definir uma nota, que se transforma num veredicto final, sem apelação (mesmo com Conselho de Classe) do juízo do professor, que ele julga ser adequado e honesto, porque é estabelecido objetivamente através de números procedimentos estatísticos e, portanto científicos. A segunda é a atitude injusta e aviltante de se dar notas levando em consideração apenas os erros cometidos pelos alunos e deixando de lado o que ele acertou. Todos os detalhes das provas assumem um valor extraordinário, o que permite ao professor descontar pontos de qualquer coisa que o aluno erre. Os acertos, porém, são irrelevantes, sem valor definido, sendo levados em conta somente quando o aluno acerta a resposta sem cometer nenhum erro. É o tipo de avaliação que o aluno vai perdendo pontos a cada erro, mas só ganha pontos quando acerta a questão por inteiro. Alguns professores fazem uma concessão de considerar as questões pelas metades, e o aluno pode, então, ganhar um meio ponto. Pela própria como são formuladas as provas de avaliação e realizadas nos dias de provas e ditados, nota-se claramente que é uma prática que revela um abuso de poder do professor sobre o processo de aprendizagem do aluno. Tudo está nas mãos do professor. É ele quem decide tudo. Este tipo de professor se constitui num ser todo poderoso e cego que aceita somente o resultado final das provas (o fim justifica os meios...), sem levar em conta o esforço e o caminho de reflexão percorridos pelo aluno ao realizar sua tarefa. A educação não pode ser um processo que se esgota em blocos: acertar uma resposta significa que aprendeu; errar significa que não aprendeu.
A educação constrói-se pela reflexão antes de tudo e pelos resultados em segundo lugar. Por isto, a avaliação deve estar voltada, em primeiro lugar, para a reflexão e, secundariamente, para o resultado. Escola é lugar de se aprender, e aprender inclui errar. Errar faz parte do processo pedagógico e por isto o aluno não pode ser punido por algo que faz parte de sua vida como aprendiz. Na vida, os resultados assumirão um papel prioritário, mas não necessariamente na escola. Infelizmente, temos uma escola exigente demais com relação aos resultados, o que acaba tirando a reflexão e a substituindo por truques de memorização e subterfúgios para enganar o professor, com o único objetivo de obter um bom resultado nas tarefas de avaliação, uma nota que faça o aluno passar de ano.
Há ainda uma questão importante a ser considerada com relação aos critérios que a escola costuma usar para promoção dos alunos. É uma questão de disciplina, de comportamento dos alunos. Obviamente, o comportamento dos alunos é um dos elementos que deve fazer parte das preocupações da escola e, sobretudo da ação do professor enquanto educador. Como o comportamento dos alunos não é suscetível de nota (antigamente a escola dava nota de comportamento !), a avaliação deste item cai na decisão que a escola faz sobre a promoção do aluno. Por outro lado, como a escola não pode reprovar simplesmente por causa de mau comportamento de certos alunos, o professor encontra um meio de fazer esses alunos tirarem nota baixa e serem, desta forma, reprovados. Isto representa uma arbitrariedade contra os alunos e uma forma equivocada de resolver o problema. Quando a escola tem um aluno completamente indisciplinado, que pertuba o andamento dos trabalhos, depois que o professor e demais educadores tentarem convencê-lo a mudar sua atitude e o aluno persistir com sua conduta insuportável, a escola deve convidar o aluno a se retirar. Tal decisão não pode demorar um ano inteiro. Com um mês de atividades a escola já tem condições de detectar tais alunos e começar a tomar as providências mais severas. A escola não pode ser uma bagunça generalizada em nome da democracia, da bajulação de políticos que não querem que a escola “expulse” alunos, de uma falsa idéia que a escola é uma “mãe” que suporta tudo de seus filhos. Reprovar alunos para castigá-los (o que não é tão raro, em algumas escolas) é tão errado quanto o mau comportamento desses na escola, e um erro não justifica o outro.
Alguns professores tem dificuldades de deixar de lado as notas, porque para eles, a programação e seu trabalho parecem perder o sentido e a seriedade. Chegam mesmo a pensar, assim sem notas, os alunos irão fazer o que bem entendem e o professor deverá engolir cobras e lagartos. Obviamente que esta é uma visão distorcida: as escolas continuarão ensinando e os alunos continuarão aprendendo, mesmo sem notas. A escola existe para isto. Na verdade, se tirarmos as notas das escolas, os alunos vão compreender que estudar é coisa séria, da responsabilidade de cada um. Por sua vez, o professor passa a encarar sua atividade com mais seriedade e a trabalhar com mais cuidado. São as notas que tornam os alunos levianos e os professores superficiais.
Como em cada ano, o aluno deverá enfrentar questões novas, o fato de não dominar bem os conteúdos da série anterior não constitui uma condição sine qua non para a promoção. O ensino deve ser circular e não linear, contrariamente ao que costuma acontecer com a programação tradicional, em geral baseada em livros didáticos que tem a linearidade como fio condutor que desenvolve conteúdos partindo das idéias mais simples às mais complexas, ou das idéias chamadas de “mais fáceis” para as “mais difíceis”. O ensino até certo ponto, pode ter orientações desse tipo a priori. A aprendizagem, porém, tem caminhos próprios e raramente segue passo a passo a linearidade de uma programação de estudo, seja de que matéria for, seja em que série for. É fundamental levar em conta o que o professor planeja e ensina, e as necessidades que cada aluno tem em determinado momento de sua vida escolar. O professor o ajudará de maneira específica sempre que for necessário e nunca o deixará na mão, dizendo que isto ou aquilo será estudado mais para a frente ou que o assunto já foi estudado em série anterior e, portanto, o aluno já devia saber. O professor tem seu espaço próprio de trabalho e suas dificuldades de aprendizagem. As duas coisas raramente andam juntas, com conteúdos sincronizados. Na verdade, não precisam, porque são coisas muito diferentes.
Nem tudo que o professor ensina ou que o aluno faz é requisito necessário a promoção ou objeto de avaliação do rendimento escolar. Muitas coisas são simples informações que o aluno começa a processar em sua mente e que traduzirá em trabalhos que realizará em outras ocasiões. Nem tudo, pois, que o professor ensina, o aluno precisa aprender. Mas, certamente, a coisas, por outro lado, que a escola vai exigir dos alunos, conhecimentos que precisam adquirir, técnicas que precisam dominar e trabalhos que precisam realizar com competência e segurança. Afinal de contas, a escola existe em função disto.
Num regime de notas (conceitos, etc.) como o que temos nas escolas de hoje, a avaliação do professor, acompanhando o processo de desenvolvimento e o progresso dos alunos, vai ter que se traduzir em notas que, para a escola, significam a promoção ou a reprovação do aluno. Isso se deve ao fato de o professor ter um patrão que lhe paga um salário e, conseqüentemente, pode lhe exigir algumas tarefas. Enquanto que as pessoas que fazem as leis e normas da educação neste país não mudarem sua concepção de avaliação e promoção, exigindo provas e notas, o professor vai ter que satisfazer a esta exigência, por mais que ele a considere um absurdo, como de fato é.
Dentro da concepção de avaliação e promoção apresentada acima, o professor deverá discutir com seus alunos tudo o que for relevante para sua avaliação, incluindo a atribuição de notas que o patrão exige que ele dê. É claro que, em alguns casos, como os aluno do CB, atribuir uma nota no primeiro e segundo semestre é uma tarefa quase impossível. Neste caso seria mais justo que o professor fosse mais generoso na nota, atribuindo aos alunos notas altas, do que atribuir notas baixas, criando uma dificuldade inconveniente e injusta para o aluno, numa época em que o seu progresso escolar não teve tempo suficiente para mostrar resultados mais evidentes. Alguns professores fazem objeções a esta decisão, dizendo que não é uma boa estratégia, uma vez que o aluno que recebe notas altas nos dois primeiros bimestres (mesmos que oriundas de provas e exercícios bem resolvidos) tem quase que garantida a sua promoção, e por isto, perde o interesse pelo estudo no segundo semestre. Este argumento mostra como a concepção de avaliação e promoção destes professores é totalmente insaciável , sendo um instrumento disciplinar e não de interpretação do processo de aprendizagem do aluno. Os alunos precisam ter bem claro para si que não é a nota que vale a pena, e sim estudar e aprender.
Dentro da concepção de avaliação e promoção defendida neste trabalho, como fica a questão da reprovação ? Quando um aluno pode ser reprovado ?
Um professor deve reprovar um aluno somente em caso extremo, quando, usados todos os meios e recursos à sua disposição, um aluno não desenvolveu o mínimo de progresso escolar previsto e dificilmente recuperará o que deixou de aprender, sobretudo se não tiver perspectiva de progredir, estudando coisas novas, previstas para a série seguinte. É o caso típico de um aluno que caba o CB e não sabe ler ( o que, em princípio, é muito estranho...).
A indisciplina nunca deve ser um motivo de reprovação. A questão da indisciplina de certos alunos deve ser resolvida fora do processo de avaliação do rendimento escolar. Mas é uma questão séria e importante, se a escola pretende ser um lugar de formação não só intelectual, como também do caráter de seus alunos. Alunos indisciplinados fora de controle devem ser convidados a se retirar da escola em qualquer época do ano. Não se deve deixar esse tipo de aluno na escola para que fique reprovado como castigo por seu mau comportamento.
Um motivo que pode levar um aluno a ser reprovado é a não-freqüência às aulas e demais atividades da escola. Alunos que faltam mais do que aparecem nas aulas, não desenvolvem uma vida escolar e, portanto, não podem ser promovidos pela escola. Obviamente, a escola não é o único lugar do mundo onde alguém pode estudar e aprender. Mas, certamente, é um lugar muito especial. Se for para alguém aprender em casa, o que qualquer um poderia fazer, em princípio, não haveria mais necessidade de escola. Se o aluno quer a aprovação escolar, deve ser um aluno presente na escola. A escola não é um lugar onde se aprende apenas a lição da matéria. É um lugar de formação, de educação para a vida, e isto implica mais do que uma prova ou uma nota, implica a formação de um caráter, de uma cultura, de um modo de se comportar, enfim, de uma filosofia de vida.
Vê-se, portanto, que uma reprovação numa classe deve ser um fato raro, uma exceção muito bem justificada e não uma regra comum como, infelizmente, acontecem em muitas escolas. É o professor que tem que provar para o aluno (e demais envolvidos) porque tal aluno não pode ser promovido. Sem provas e sem notas, o professor precisará fazer uma análise completa da vida escolar de cada aluno, antes de tomar uma decisão sobre sua promoção ou reprovação. O professor vai provar a conclusão a que chegou, revendo criticamente a história da criança como aluno, analisando seu progresso escolar, e suas atitudes perante os estudos e a escola. Se os argumentos do professor não convenceram ao aluno (e aos demais interessados), ele deve desconfiar de que há algo de errado na sua avaliação. Neste caso, rever é um ato de sabedoria e justiça. Todo aluno deve ter o direito de discutir com o professor a sua reprovação, quando ainda é possível rever tal decisão.
Finalmente, a escola faz mais mal aos alunos reprovando-os do que aprovando alunos que não dominaram os conteúdos mínimos dos estudos realizados numa determinada série. Isto não significa que os estudos perdem a sua qualidade. Pelo contrário, significa que a escola deve educar as crianças e fazê-las estudar não para ganhar uma certa nota e passar de ano, mas para melhorar a vida e progredir, com liberdade e com responsabilidade.
CAGLIARI, Luiz Carlos - Avaliação e Promoção - Jornal do Alfabetizador, Ano VIII - nº 46 PP 10-12. São Paulo - Agosto de 1997. – Prof. Cagliari é Professor-adjunto no Departamento de Linguística da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP (Araraquara, SP). Foi professor de Fonética e de Fonologia do Departamento de Linguística do IEL/Unicamp, durante muitos anos. É mestre em Linguística pela Unicamp, doutor pela Universidade de Edimburgo (Escócia), livre-docente e professor titular pela Unicamp. Além da Fonética e da Fonologia, desenvolve pesquisas e estudos também nas áreas de Sistemas de Escrita, com particular referência atual à Ortografia (Teoria e História) e na área de Alfabetização. Material Jornalístico transcrita pelo Historiador e Professor do Ensino Publico em Mato Grosso: JOSÉ WILSON TAVARES
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