Drª Ângela Gimenez |
No
último dia 26 de novembro de 2014, o Senado Federal aprovou o PLC 117/2013 que,
altera quatro artigos do Código Civil, dentre eles o que trata do exercício da
guarda compartilhada entre genitores. O projeto segue agora para sanção da
Presidência da República, a fim de que passe a vigorar.
A
proposta legislativa é resultado de uma forte mobilização social, que visa o
desfazimento de graves equívocos que vêm sendo praticados, quando da
interpretação da lei civil, especialmente, no que diz respeito à definição da
guarda dos filhos, quando os pais nunca tiveram um relacionamento marital ou de
convivência ou quando esses foram desfeitos.
A
alteração legal que, inicialmente, vinha sendo popularmente chamada de “lei da
guarda compartilhada” ganha, atualmente, nova denominação que melhor a
identifica e expressa a intenção do legislador, passando a ser reconhecida como
“lei da igualdade parental”.
Isso
porque, diferentemente do que possa parecer, pelas notícias veiculadas, o PLC
117/2013 não institui no Brasil a guarda compartilhada dos filhos, uma vez que
esta já se encontra prevista no Art. 1584 do Código Civil, desde 2008. O que o
projeto faz é afastar, terminantemente, as razões de menor importância, que
vinham sendo utilizadas, para fundamentar a concessão de guarda unilateral,
quase sempre em favor da mãe, tais qual, a ausência de consensualidade entre os
genitores.
Independentemente
da situação conjugal ou da forma como a ruptura entre os pais tenha se dado, os
genitores permanecem no pleno exercício de seu poder-familiar, após a
separação, não havendo qualquer razoabilidade no afastamento da guarda
compartilhada, mesmo quando exista uma situação de litígio.
Não
é de se duvidar que, na grande maioria dos divórcios ou de dissolução das
uniões estáveis, os cônjuges ou conviventes encontram dificuldade de
comunicação, resultante de desentendimentos, mágoas, inaceitações, dentre
outros fatores. Reconhecer que a guarda não poderia ser compartilhada nas
situações de dissenso, seria o mesmo que permitir um sufrágio da guarda
unilateral, em detrimento dos interesses de nossas crianças que necessitam e,
por isso mesmo, têm o direito de conviver com seus dois genitores.
Sabemos
que no Brasil, tradicionalmente, as crianças, na grande maioria dos casos de
separação de casais, vinham permanecendo com suas mães e, aos pais, restando,
tão somente, o direito de visitação a estas.
Sobre
esse ponto é importante salientar que essa visita periódica do pai, com dia e
hora marcados, vai ocasionando, de forma lenta e gradual, o estremecimento dos
laços afetivos, promovendo um afastamento entre pai e filho, que chega, muitas
vezes, ao completo desaparecimento do vínculo paterno-filial.
Exerce
visita pessoa conhecida, amiga ou parente distante e não o pai ou a mãe que,
pelo estreito parentesco, detém o direito à convivência com seus descendentes.
Os
processos judiciais comprovam que as visitas esquadrinhadas acabam gerando
forte angústia, nos momentos que as antecedem e, também, ao longo destas, em
razão das repetidas separações. Há sempre um estranhamento rondando os
encontros, o que dificulta o estabelecimento e a manutenção de vínculos que só
se fortalecem com o acompanhamento das rotinas dos envolvidos e do frequente
contato físico que deve existir.
Assim,
sob critérios democráticos e humanistas, em qualquer perspectiva que se
analise, médica, psicológica, jurídica, sociológica, filosófica, dentre outras,
a guarda compartilhada tem de ser reconhecida como a forma mais eficaz, para o
alcance do pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Por
tal evidência, a nova lei adota como modelo a guarda compartilhada, sendo esta
afastada somente nas hipóteses em que um dos genitores ou ambos não se mostrem
aptos para o exercício do poder-familiar ou, ainda, se um deles não desejar
exercitá-lo.
As
situações de litigiosidade deixam de ser fundamento para a supressão do
compartilhamento da guarda, impedindo, pois, uma prática não pouco usual, onde
um dos litigantes insiste nos desentendimentos, para a obtenção da guarda
unilateral, praticando, inclusive, atos de alienação parental que acabam sendo
legitimados por decisões judiciais que mantém o afastamento do filho de um de
seus genitores, sob o pálido argumento de que, para se evitar o conflito,
melhor é manter a criança afastada de parte de seus familiares.
Com
a atual proposta, métodos já bastante difundidos no Brasil deverão ser
implementados, a exemplo do uso da mediação, onde as famílias poderão ser
auxiliadas e incentivadas na solução de suas dificuldades, preservando-se o
bem-estar das crianças e dos jovens, que são os mais vulneráveis, nesse
contexto tenso e incerto de divergências.
É
claro que, nos casos em que haja, por exemplo, violência doméstica, a matéria
será tratada, com o rigor que todo o arcabouço legal já dispõe, como por
exemplo, as normas contidas na Lei Maria da Penha, no Estatuto da Criança e do
Adolescente, no Código Penal e outras, gerando, inclusive, o indeferimento do
pedido de guarda compartilhada.
Sobre
a questão dos alimentos, tão debatida nos últimos tempos, seus requisitos,
alicerçados no trinômio necessidade-possibilidade-razoabilidade, permanecem
intactos. Sobre sua quantificação, pouca alteração o regime convivencial poderá
trazer, exceto em casos excepcionais, uma vez que a grande parte dos gastos
infanto-juvenis se voltam às despesas com escola, plano de saúde, material
escolar, remédio, roupas e calçados, que se manterão fixos, independentemente
do período em que a criança permaneça com cada um de seus genitores.
A
afirmação de que o projeto privilegia os pais, eximindo-os do pagamento da
prestação alimentícia ou, ao menos, proporcionando-lhes redução na contribuição
em curso, não passa de mera retórica daqueles que insistem em manter um sistema
retrógrado e descolado da necessidade e anseio sociais, pois, por si só, a
guarda compartilhada não implica em alteração dos alimentos pagos.
É
lógico que, em sendo os gastos com os filhos, em grande parte, despesas fixas,
os responsáveis partilharão o seu custeio, na proporção de suas forças, não
gerando, a nova lei, em tese, grande modificação da situação definida.
Sobre
os argumentos dos opositores à lei, outro aspecto merece ser analisado, é o que
afirma que, o PLC 117/2013 confunde, em seu conteúdo, o que venha a ser guarda
compartilhada e guarda alternada.
Cabe
aqui uma desconstrução da crítica apresentada.
A
guarda alternada se configura em uma modalidade de guarda unilateral ou
monoparental, caracterizada pelo desempenho exclusivo da guarda, segundo um
período pré-determinado que, pode ser anual, semestral, mensal ou outros.
Não
há compartilhamento porque, embora os pais concordem que a guarda não seja
exclusiva a nenhum deles, de forma indeterminada, somente um genitor formula e
desenvolve o viver do filho, durante o período em que este permanece em sua
companhia. Criam-se regras, espaços e tempos próprios, nos quais o filho se
submete a uma alternância sistematizada de convivência.
Essa
modalidade de guarda não se encontra disciplinada na legislação brasileira e,
nada tem a ver com a guarda compartilhada, que se caracteriza pela constituição
de famílias multinucleares, nas quais os filhos desfrutam de dois lares, em
harmonia, estimulando a manutenção de vínculos afetivos e de responsabilidades,
primordiais a saúde biopsíquica das crianças e dos jovens.
Assim,
a natureza da nova lei é afirmativa de uma conduta familiar contemporânea, que
valoriza relações mais próximas entre pais e filhos, validando o papel de cada
genitor, com igualdade de importância.
O
compartilhamento vem ao encontro dos mais elevados anseios sociais, sobretudo
os das mulheres brasileiras, que há muito lutam pela co-responsabilidade
paterna na criação dos filhos, para que possam desenvolver as outras áreas de
sua vida com segurança. Confirma-se, então, o grande preceito: lugar de filho é
com o pai e com a mãe.
[1]
É juíza de direito, titular da Primeira Vara Especializada em Família e
Sucessões de Cuiabá e Presidente do IBDFAM-MT. Fonte: http://www.folhamax.com.br/opiniao/a-guarda-compartilha-e-a-igualdade-parental/29587
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