sexta-feira, 30 de maio de 2014

A RUSGA EM CUIABÁ

Pedro Félix[1]
Pedro Félix 
A História do Brasil é na verdade uma grande colcha de retalho construída de partes de histórias de seus respectivos estados. Alguns exemplos mostram essa ótica historiográfica, vejamos: O nosso descobrimento foi na Bahia, o grito do Ipiranga em São Paulo, a proclamação da república no Rio de Janeiro. Assim caminha a nossa História cheia de recortes regionais, que por força de uma cultura, ligada principalmente a língua, trouxe a união de fatos considerados nacionais, que são obrigatórios como forma de integração e solidificação da História do Brasil.
Outro aspecto a ser levantado é quanto à repetição desses fatos regionais na história nacional, ou mesmo sua importância em detrimento de outros. Quem qualifica a importância dos fatos para entrar na “Bíblia” da história nacional? 
Em outras palavras, quando um fato ou processo histórico regional passa a ter a importância de história nacional?
A resposta talvez esteja ligada a economia do lugar e, por conseguinte a preservação e importância que o fato teve, geralmente envolvendo pessoas importantes. A vontade de preservação, bem como a divulgação do evento é outro fator que cristaliza a historicidade.
Um desses acontecimentos regionais, de relevância, sucedeu-se em Mato Grosso. A Rusga foi um movimento histórico que aconteceu principalmente em Cuiabá, mas repercutiu também em Santo Antônio do Leverger, Chapada dos Guimarães, e Poconé.
Para a historiografia nacional foi apenas um embate entre elites, com repercussão apenas para Mato Grosso. Mas os historiadores locais rebatem tal ideia e  querem colocar  a Rusga  no contexto das rebeliões do período regencial brasileiro. 
A exemplo temos a Cabanagem, no Pará, a Balaiada, no Maranhão, a Sabinada, a Revolta dos Malês na Bahia,  e a Farroupilha no Rio Grande do Sul.
Pactuo com os historiadores locais, pois classifico a Rusga como um dos movimentos participantes da transferência de poder entre a elite local, nativa, representada pelo partido Liberal (exaltado ou moderado) contra os bicudos, ou brasileiros adotivos (portugueses), representados pelo partido Restaurador.
A rixa política e econômica do Brasil da época é a luta entre os que desde a independência detinham o controle do comércio exportador, contra os que cuidavam da produção de bens tropicais. 
 Estou aqui colocando o domínio de portugueses que comandavam a economia no Brasil colônia e que mesmo depois da independência a controlavam, na sua parte que gerava mais riqueza, que era o comércio. A noite das garrafadas ficou engasgada na garganta da elite brasileira.
Aqui em Cuiabá, esta rusga, briga, intriga, esteve presente o tempo todo e os cabras (brasileiros natos) cantavam em versos o ódio aos portugueses ricos da cidade: “embarca bicudo, embarca, embarca, canalha vil, que os brasileiros não querem bicudos no seu Brasil.”.
O clima tornou-se acirrado quando depois da renúncia do presidente do Estado de Mato Grosso, o governo foi entregue a João Poupino Caldas, membro do Partido Liberal, da ala dos exaltados e  que participava de uma sociedade chamada de “Sociedade dos Zelosos da Independência”. Esta agremiação era composta por brasileiros natos, conhecidos como cabras.
De outro lado estavam os portugueses que tinham sua agremiação chamada “Sociedade Filantrópicos” e lutavam pela volta de D. Pedro I ao Brasil. 
A eclosão do movimento aconteceu na noite de 30 de maio de 1834 como um levante militar que saiu do Campo do Ourique (atual Câmara de Vereadores) iniciando a Rusga.
A liderança do movimento coube a Patrício da Silva Manso (conhecido como tigre cuiabano), que juntos com soldados da Guarda Nacional e populares, pegaram em armas e tomaram os quartéis da cidade.
A Matriz de Cuiabá foi o ponto de concentração por onde partiu a matança generalizada, onde até o bispo D. José dos Reis  saiu pelas  ruas pedido clemência para os  portugueses.
 João Poupino Caldas durante o movimento teve um papel dúbio e foi chamado de traidor, ganhando de presente uma bala de prata nas costas, que lhe causou a morte.
O movimento aconteceu entre maio a setembro de 1834, e chegou a fim com a entrada do novo Presidente da Província de Mato Grosso, Antônio Pedro de Alencastro. 
Conta à lenda que na hora de fugir muitos portugueses ricos enterravam seus tesouros nas paredes largas dos casarões da cidade, na esperança de poder voltar e recuperar suas posses.
 Mato Grosso tem história, mas é uma pena que em concursos públicos, pouco se vê de questões relativas à nossa história, e mesmo em Cuiabá são poucos aqueles que se atrevem a colocar a nossa história nos referidos concursos, seja por desconhecimento, seja por negligência. Lembrando que, quem não sabe sua história, a ignora e vive a história dos outros. Fica a dica aos gestores.

[1] Professor, historiador e autor de livros de História de Mato Grosso e de Cuiabá, centro da América do Sul. Fonte: http://www.folhamax.com/opiniao/a-rusga-em-cuiaba/10868

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