Pedro Félix[1]
Pedro Félix |
A História do Brasil é na verdade uma grande colcha de retalho
construída de partes de histórias de seus respectivos estados. Alguns exemplos
mostram essa ótica historiográfica, vejamos: O nosso descobrimento foi na
Bahia, o grito do Ipiranga em São Paulo, a proclamação da república no Rio de
Janeiro. Assim caminha a nossa História cheia de recortes regionais, que por
força de uma cultura, ligada principalmente a língua, trouxe a união de fatos
considerados nacionais, que são obrigatórios como forma de integração e
solidificação da História do Brasil.
Outro aspecto a ser levantado é quanto à repetição desses fatos
regionais na história nacional, ou mesmo sua importância em detrimento de
outros. Quem qualifica a importância dos fatos para entrar na “Bíblia” da
história nacional?
Em outras palavras, quando um fato ou processo histórico
regional passa a ter a importância de história nacional?
A resposta talvez esteja ligada a economia do lugar e, por
conseguinte a preservação e importância que o fato teve, geralmente envolvendo
pessoas importantes. A vontade de preservação, bem como a divulgação do evento
é outro fator que cristaliza a historicidade.
Um desses acontecimentos regionais, de relevância, sucedeu-se em
Mato Grosso. A Rusga foi um movimento histórico que aconteceu principalmente em
Cuiabá, mas repercutiu também em Santo Antônio do Leverger, Chapada dos
Guimarães, e Poconé.
Para a historiografia nacional foi apenas um embate entre
elites, com repercussão apenas para Mato Grosso. Mas os historiadores locais
rebatem tal ideia e querem colocar a Rusga no contexto das rebeliões do período regencial brasileiro.
A exemplo temos a Cabanagem, no Pará, a Balaiada, no Maranhão, a
Sabinada, a Revolta dos Malês na Bahia, e a Farroupilha no Rio Grande do
Sul.
Pactuo com os historiadores locais, pois classifico a Rusga como
um dos movimentos participantes da transferência de poder entre a elite local,
nativa, representada pelo partido Liberal (exaltado ou moderado) contra os
bicudos, ou brasileiros adotivos (portugueses), representados pelo partido
Restaurador.
A rixa política e econômica do Brasil da época é a luta entre os
que desde a independência detinham o controle do comércio exportador, contra os
que cuidavam da produção de bens tropicais.
Estou aqui colocando o domínio de portugueses que
comandavam a economia no Brasil colônia e que mesmo depois da independência a
controlavam, na sua parte que gerava mais riqueza, que era o comércio. A noite
das garrafadas ficou engasgada na garganta da elite brasileira.
Aqui em Cuiabá, esta rusga, briga, intriga, esteve presente o
tempo todo e os cabras (brasileiros natos) cantavam em versos o ódio aos
portugueses ricos da cidade: “embarca bicudo, embarca, embarca, canalha vil,
que os brasileiros não querem bicudos no seu Brasil.”.
O clima tornou-se acirrado quando depois da renúncia do
presidente do Estado de Mato Grosso, o governo foi entregue a João Poupino
Caldas, membro do Partido Liberal, da ala dos exaltados e que participava
de uma sociedade chamada de “Sociedade dos Zelosos da Independência”. Esta
agremiação era composta por brasileiros natos, conhecidos como cabras.
De outro lado estavam os portugueses que tinham sua agremiação
chamada “Sociedade Filantrópicos” e lutavam pela volta de D. Pedro I ao
Brasil.
A eclosão do movimento aconteceu na noite de 30 de maio de 1834
como um levante militar que saiu do Campo do Ourique (atual Câmara de
Vereadores) iniciando a Rusga.
A liderança do movimento coube a Patrício da Silva Manso
(conhecido como tigre cuiabano), que juntos com soldados da Guarda Nacional e
populares, pegaram em armas e tomaram os quartéis da cidade.
A Matriz de Cuiabá foi o ponto de concentração por onde partiu a
matança generalizada, onde até o bispo D. José dos Reis saiu pelas
ruas pedido clemência para os portugueses.
João Poupino Caldas durante o movimento teve um papel
dúbio e foi chamado de traidor, ganhando de presente uma bala de prata nas
costas, que lhe causou a morte.
O movimento aconteceu entre maio a setembro de 1834, e chegou a
fim com a entrada do novo Presidente da Província de Mato Grosso, Antônio Pedro
de Alencastro.
Conta à lenda que na hora de fugir muitos portugueses ricos
enterravam seus tesouros nas paredes largas dos casarões da cidade, na
esperança de poder voltar e recuperar suas posses.
Mato Grosso tem história, mas é uma pena que em concursos públicos,
pouco se vê de questões relativas à nossa história, e mesmo em Cuiabá são
poucos aqueles que se atrevem a colocar a nossa história nos referidos
concursos, seja por desconhecimento, seja por negligência. Lembrando que, quem
não sabe sua história, a ignora e vive a história dos outros. Fica a dica aos
gestores.
[1] Professor, historiador e autor de
livros de História de Mato Grosso e de Cuiabá, centro da América do Sul. Fonte:
http://www.folhamax.com/opiniao/a-rusga-em-cuiaba/10868
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