Cardeal Arcebispo Orani João Tempesta[1]
Cardeal Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro |
O nosso Plano de Pastoral de
Conjunto afirma o seguinte: “O serviço testemunhal à vida, de modo especial à
vida fragilizada e ameaçada, é a mais forte atitude de diálogo que o discípulo
missionário pode e deve estabelecer com uma realidade que sente o peso da
cultura da morte. Na solidariedade de uma igreja samaritana, o discípulo
missionário vive o anúncio de um mundo diferente que, acima de tudo, por amar a
vida, convoca à comunhão efetiva entre todos os seres vivos”.
Durante a Quaresma, a
Campanha da Fraternidade sempre nos coloca diante da realidade de forma
profética, para que os nossos olhos se abram e possamos perceber os tentáculos
da cultura da morte que pesam sobre a nossa realidade. Neste ano, o assunto é o
tráfico de pessoas. Precisamos ter clareza
sobre este problema, seu alcance e seus efeitos para que, como igreja
samaritana, possamos fazer com que o Evangelho se torne concreto nos nossos
relacionamentos, e a obra evangelizadora e pastoral da Igreja e as nossas obras
mostrem a Igreja como Sacramento de Salvação e caminho para o Reino definitivo.
O tráfico de pessoas
acontece de muitas formas e diferentes tipos de pessoas são explorados. Existe
o tráfico para a exploração sexual, o trabalho escravo, a adoção ilegal e
outros. Não existe uma categoria ou um grupo de pessoas que não seja, de alguma
forma, ameaçado por ele.
A grande causa do tráfico
humano encontra-se na ganância, tão condenada por Jesus, principalmente por que
coloca o econômico-financeiro acima do humano e explora o humano a partir das
suas carências. Deste modo, à ganância se somam as diferentes formas de
carência ou de sonhos pessoais que geram a necessidade de crescimento
econômico. Carências como desemprego, subemprego, fome, saúde, educação, lazer
etc., e sonhos acalentados, como ser modelo, artista ou jogador de futebol,
muito sugestionados pela mídia. Assim, encontramos as principais causas do
tráfico humano que precisam ser enfrentadas para que o tráfico de pessoas seja
estancado nas suas raízes.
Esse estancamento exige, em
primeiro lugar, políticas públicas adequadas para a superação das causas que
foram apresentadas acima, pois não podemos desconsiderar o fato de que o
tráfico de pessoas continua acontecendo e fazendo vítimas. Por isso, as
políticas públicas também devem ser voltadas para a reinserção na vida familiar
e social das pessoas que foram atingidas pelo tráfico humano e que tiveram a
felicidade de serem resgatadas com vida. Precisamos de um trabalho preventivo
que evite que o tráfico de pessoas promova o desrespeito à dignidade humana,
aos direitos fundamentais da pessoa e à supressão da liberdade de muitos. Por
outro lado, precisamos resgatar as vítimas do tráfico e lhes garantir o
respeito à sua dignidade, aos seus direitos e à sua liberdade.
A proposta cristã para a
superação da cultura da morte passa necessariamente pela conversão, que
consiste basicamente na busca da nossa configuração a Jesus Cristo. São Paulo
nos chama a esta configuração quando afirma: “Tende os mesmos sentimentos de
Cristo” (Fl 2, 5). O Pe. José Fernandes de Oliveira, conhecido como Pe.
Zezinho, que neste ano comemora os 50 anos de sua missão evangelizadora na
Igreja, nos deu uma preciosa colaboração para a compreensão desta configuração
quando fez a música que diz: “e perguntou no meio de um sorriso o que é preciso
para ser feliz? Amar como Jesus amou, sonhar como Jesus sonhou, pensar como
Jesus pensou, viver como Jesus viveu, sentir o que Jesus sentia, sorrir como
Jesus sorria, e ao chegar ao fim do dia eu sei que dormiria muito mais feliz. Dormiria
feliz sim, o sono dos bem-aventurados”. Esta é a vida dos verdadeiros
convertidos e esta vida é transformadora do mundo, destruidora da cultura da
morte, promotora da vida e da dignidade de todos.
Como fiz questão de frisar
em minha carta Pastoral, depois do Consistório, reafirmo que: "Enquanto
escrevo esta carta, não cesso de ouvir as notícias de tantas situações de
sofrimento que desafiam nosso amor por Jesus Cristo. Entristeço-me, por
exemplo, com a situação dos encarcerados, que, em lugar de recuperação,
recebem, na maioria das vezes, tratamento indigno até para as pedras que rolam
soltas em nossas ruas" (Cf. Amar, unir, servir – Carta Pastoral do
Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, n.34, pág. 17, 25 de fevereiro de
2014).
Estamos nos encaminhando
para a Semana Santa, estamos nos aproximando da celebração do mistério da
Páscoa, vamos celebrar o mistério da morte e ressurreição de nosso Senhor Jesus
Cristo. A vitória de Cristo na cruz é, antes de tudo, a vitória da vida sobre a
morte. A Páscoa deve ser para nós a grande motivação para que a cultura da
morte seja vencida e todas as pessoas possam ter vida em plenitude, possam ter
a plenitude da vida física, afetiva, intelectual, social, política, econômica,
cultural, religiosa, mística etc.
Peçamos a Deus as graças
necessárias para que vivamos bem esta Quaresma, e para que a Campanha da
Fraternidade seja um grande instrumento para esta vivência, de modo que
possamos encontrar na celebração dos mistérios pascais as graças necessárias
para vencermos a cultura da morte e promovermos a vida em plenitude.
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