sábado, 1 de fevereiro de 2014

Cultura Afra nas aulas de arte

No Brasil, os estudos feitos por Mário de Andrade nas primeiras décadas do século 20 abriram espaço para o surgimento de uma produção artística em que o negro começava a ser representado na obra de artistas com formação clássica, como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari e Lasar Segall ANDRADE, 1993). No entanto, continuaram esquecidas e desvalorizadas as produções de artistas afro-brasileiros de formação acadêmica, como Estevão Silva e Arthur Timóteo da Costa, e de artistas afro-brasileiros de origem popular, como Heitor dos Prazeres e Francisco Guarany.

Na sala de aula
Decorridos nove anos da promulgação da Lei nº10.639 de 09 de Janeiro de 2003, parece que muitos docentes não compreenderam ainda a importância de uma prática pedagógica que desfaça estereótipos e crie nos alunos sentimentos de pertencimento e orgulho de suas origens afrodescendentes.
Segundo Gomes (2002), o negro, na maioria das vezes, é apresentado aos alunos como um escravo sem passado ou, então, como um malandro ou mesmo um marginal. Isso reforça o estereótipo do não lugar social
imposto a ele. Há professores que desenvolvem o tema em sala de aula, mas, muitas vezes, folclorizam e estigmatizam a imagem do negro, pensando ser essa a melhor  solução para manter a harmonia em sala de aula e reafirmar  que não existe racismo entre seus alunos.
Numa pesquisa realizada no Paraná, Santana (2010) relata que, em quase todas as escolas que visitou a história e cultura africanas e afro-brasileiras eram temas, trabalhados em atividades desarticuladas que tendiam à folclorização, além de romantizar e naturalizar o período colonial brasileiro e o sistema escravagista. Os castigos físicos impostos aos negros escravizados ganhavam destaque ao mesmo tempo em que silenciavam a resistência dos milhares de quilombos criados em diversos lugares do Brasil.
Texto, a produção imagética dos artistas afro-brasileiros é pouco valorizada pelos docentes de arte. Estes continuam priorizando no ensino uma estética de origem européia, utilizando em suas aulas a produção de artistas consagrados pela história da arte brasileira e mundial, mas pouco relacionada a questões referentes à formação étnica e racial do Brasil.
 As imagens que chegam à escola sobre o negro, publicadas no livro didático ou trazidas pelos professores, ainda são aquelas em que artistas clássicos e modernos resumem a figura do negro a um ser exótico, além daquelas que retratam uma situação estigmatizada advinda da escravidão. É 
inegável a importância artística de muitas dessas imagens, como também o fato de denunciarem um período de opressão aos povos de origem africana. Mas, em tempos das Leis nº 10.639, de 2003, e nº 11.645, de 2008, surge a necessidade de uma prática pedagógica que reforce a figura do negro como um produtor de cultura.
 Da Silva (2005) chama a atenção para o preconceito dominante que considera o artista negro brasileiro como primitivo e naif (ingênuo). Segundo a autora, cabe aos professores de arte uma cuidadosa reflexão sobre a forma de estabelecer a ponte entre a cultura do educando e a cultura chamada "universal", que é, na verdade, uma imposição da cultura ocidental.
 As academias européias de arte sempre reforçaram a idéia de que a arte africana era "menor" em termos artísticos, por não se enquadrar nos dogmas preestabelecidos pelas elas sicismo, que relacionava o ideal de beleza à proporcionalidade da forma. Somente no modernismo é que alguns artistas 
começaram a dar valor à arte africana. Entre eles, Pablo Picasso, que apresentou a potencialidade expressiva das máscaras ritualísticas, descobertas em urna de suas viagens à África. Durante milênios, os africanos usaram a geometrização e a abstração em suas representações plásticas. Picasso se
inspirou na geometrização das máscaras para realizar seus trabalhos cubistas (CARIS E, 1974).
Apreciar, refletir, analisar e produzir em sala de aula peças utilitárias e fazer leituras de pinturas de artistas que retrataram o negro sob uma ótica exótica, como Albert Eckhout, Jean Baptiste, Debret e Johann Moritz e Rugendas.
Analisar e discutir as obras de Hector Carybé, Tarsila do Amaral, Candido Portinari e Di Cavalcanti que mostram como o branco o negro.
Observar as diferenciações nas pinturas de artistas que mostram a visão do negro sobre si mesmo, como Artur Timóteo, José Benedito Tobias e Heitor dos Prazeres.
Discutir fatos que envolveram preconceito racial nas artes, como o caso de Estêvão Silva, no século 19, artista negro que não ganhou um prêmio da Escola Nacional de Belas Artes por considerarem sua conduta "imprópria", fazer associações entre as obras de artistas que mostraram sua religiosidade e seu universo místico, como o Mestre Didi, Rosana Paulino e Rubem Valentim. Conhecer a produção de artistas negros contemporâneos, como Emanoel Araújo e Tatti Moreno.

Referências - Sugestões de leitura

ANDRADE, Mário de. Fotógrafo e turista aprendiz. o Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros, 1993.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Orientações e ações para  a educação das relações étnico-raciais. Brasília: SECAD, 2006.
CARISE, Iracy. A arte negra na cultura brasileira. Rio de Janeiro:  Artenova, 1974.
DA SILVA, Maria José Lopes. As artes e a diversidade étnico-cultural  na escola básica. In: MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC/BID/UNESCO, 2005. p. 126- 127.
GOMES, Nilma Uno. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da diversidade. In: CAVALLEIRO, Eliane (Org.)/ Recismçe antirracismo na educação: repensando nossa prática. São Paulo: Selo Negro, 2001. p. 83-96.
GOMES, Nilma Lino. Educação e identidade negra. In: Revista Aletria: alteridades em questão, Belo Horizonte, POSLlT/CEL, Faculdade de Letras da UFMG, v. 6, n. 9, p. 38-47, dez., 2002.
Disponível em: <http://migre.me/9WU3V>.Acesso em: 20 jun. 2012.
GOMES, Nilma Uno. Cultura negra e educação. In: Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 23, p. 75-85, mai./ago., 2003. Dispovel em: <http://migre.me/aMOHs>. Acesso em: 18 jun. 2012.
GOMES, Nilma Uno; SILVA, Petronilha B. Gonçalves (Orgs.). Experiências étnico-culturais para a formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
OLIVEIRA, Luiz Fernandes. História da África e dos africanos na escola: desafios políticos, epistemológicos e identitários para a formação dos professores de história. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2012.
SANTANA, Jair. A lei 10.639/03 e o ensino de artes nas séries iniciais: políticas afirmativas e folclorização racista. 2010. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Paraná. Curitiba.
SILVA, Petronilha B. Gonçalves; GOMES, Nilma Uno (Orgs.). Experiências étnico-culturais para a formação de professores. Belo Horizonte: Autenticação, 2006.
SILVA, Petronilha B. Gonçalves. A palavra é... Africanidades. In: Presença Pedagógica. Belo Horizonte, v. 15, n. 86, p. 42-47, mar/abr., 2009.

Fonte: Revista Presença Pedagógica nº 35 – Novembro e Dezembro de 2012. 

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