domingo, 22 de junho de 2014

Os desafios do Ensino de História no Ensino Fundamental

Maria Estolimar Gasperazzo[1]


Quando se pretende refletir, repensar ou posicionar-se sobre um ensino de história que contribua para capacitar o estudante a entender o processo social em que esta inserido e tomar posições no complexo quadro de disputas e interesses sociais atuais, um ensino que supere a situação que Munhoz afirma:

“que o ensino de história tal como é ministrado na maioria de nossas escolas é factual e se presta aos interesses das classes dominantes”. [2]

Diante disso é de fundamental importância perguntar-se: porque a história faz parte do currículo escolar e qual a sua importância na formação do jovem.
Para iniciarmos essa discussão sobre o ensino de história no ensino fundamental é importante considerarmos os dois marcos desse ensino, ou seja: a primeira metade do século XIX, com a introdução da área no currículo escolar após a Independência, quando o objetivo era criar uma “genealogia da nação, elaborou-se uma “história nacional” quando o ensino era baseado em uma matriz européia e a partir de pressupostos eurocêntrico. O segundo marco a ser considerado pode ser datado a partir das décadas de 30 e 40 do século XX quando o ensino é orientado por uma política nacionalista e desenvolvimentista.
A história surge como área obrigatória com a criação do Colégio Pedro II em 1837 tendo como referência o modelo francês, quando predominava os estudos literários com ênfase para o ensino clássico e humanístico e destinado à formação da elite.
 Como área escolar, a História é marcada pela convivência da História Sagrada, que tinha o mesmo estatuto de historicidade com a História Universal e Civil. Ambas eram voltadas para a formação moral do estudante.
A História Universal dava exemplo de grandes homens da História, com o predomínio para o estudo do Oriente Próximo e da Antigüidade Clássica. A História Sagrada concebia os acontecimentos como providência divina fornecendo as bases para uma formação cristã. Nas escolas já existiam divergências entre as abordagens e na importância que era atribuída a Igreja na História, dependendo dos professores leigos ou católicos e o fato das escolas serem públicas ou de ordens católicas.
Foi acrescentado a este programa a História do Brasil, pois cabia a História Universal dimensionar a nação brasileira no mundo ocidental cristão. O Estado brasileiro organizava-se politicamente necessitando assim de um passado que legitimasse a sua constituição. Os acontecimentos ensinados iniciavam-se com a história portuguesa que destacava a sucessão de  reis portugueses e seus governos. Em seguida introduzia-se a história brasileira com as capitanias hereditárias, os governos gerais, as invasões estrangeiras ameaçando a integridade nacional. Os conteúdos culminavam com os “grandes eventos” da Independência e da Constituição do Estado nacional.
Criado no mesmo ano que o Colégio D. Pedro II, o Instituto Histórico e geográfico Brasileiro elaborou a sua primeira proposta de ensino de história do Brasil,. Essa proposta enfatizava a miscigenação (branco/negro/índio) mas defendia a hierarquização destacando a superioridade da raça branca, privilegiava o Estado como principal agente da História e enfatizava fatos essenciais na constituição do processo histórico nacional como as grandes navegações, as façanhas marítimas comerciais e guerreiras dos portugueses, a transferência e o desenvolvimento das instituições municipais portuguesas no Brasil, o papel dos jesuítas na catequese e as relações entre a Igreja e o Estado. A história é relatada como uma verdade indiscutível e estruturada como um processo continuo, linear que determinava a vida social do presente.
As reformas curriculares realizadas no final d século XIX evidenciaram projetos que defendiam o currículo humanístico, com ênfase para as disciplinas literárias, destinadas a formação do espírito, outros desejavam introduzir um currículo mais científico, mais técnico e prático,  adequado a modernização  que se propunha para o país. Os dois projetos idealizados pensavam a história como disciplina escolar voltada para a formação da nacionalidade.
Nas últimas décadas do século XIX começaram a surgir críticas à redução da História a uma classificação cronológica de dinastias ou um catálogo de fatos notáveis dos dois reinados. No discurso republicano inspirado nas idéias  positivistas, a escola e o ensino deveriam denunciar os atrasos impostos pela monarquia e assumir o papel de colocar os indivíduos e a própria nação na rota do progresso e da ordem. O ensino da História passa a fundamentar uma nova nacionalidade projetada para modelar um novo trabalhador, o cidadão patriótico. O Estado agora sem a intervenção da Igreja permanece como principal agente histórico. A História Nacional junto com a História da Civilização continua a enfatizar o passado homogêneo, as lutas pelo território e a unidade nacional, difundindo feitos gloriosos dos bandeirantes como Raposo Tavares e Borba Gato, Militares como Duque de Caxias, mártires como Tiradentes,  etc.
Nas primeiras décadas do século XX surgem propostas alternativas ao modelo oficial com as escolas anarquistas que propõe um ensino História voltado para os principais momentos de lutas sociais como a Comuna de Paris, a Abolição, etc. Esses modelos são imediatamente reprimidos pelo governo republicano.
A partir de 1930 a História do Brasil e a História geral formam uma só área, A História da Civilização. O ensino da História tentava legitimar o discurso da “democracia racial”. Em meados dos anos 30 a educação adota o escolanovismo que apesar de propor abordagens e atividades diferenciadas, nas salas de aulas era comum os estudantes recitarem lições, decorar datas e nomes de personagens considerados mais significativos para a História.
A partir de 1942 no contexto do “Estado Novo” era tarefa do ensino de História criar nas novas gerações a consciência da responsabilidade diante dos maiores valores da Pátria. A carga horária da disciplina aumenta, a História geral e a História do Brasil passa a serem áreas distintas. A história brasileira é privilegiada. A ênfase é dada às comemorações de heróis em grandes festividades cívicas.
Na década de 50 e 60 por influência do nacional - desenvolvimentismo, a História voltou-se para temas econômicos, são feitos questionamentos so modelo agroexportador e valorização da industrialização. O ensino de história passa a focalizar os ciclos econômicos em suas sucessões lineares. A presença norte americana vai dar lugar no currículo a História das Américas, especialmente a História dos estados Unidos.
No início da década de 60 a formação de professores na perspectiva da História Nova com estudos sob a influência da historiografia marxista, que ao invés de valorizar a trajetória vitoriosa da burguesia, dava ênfase as transformações econômicas e aos conflitos de classe social destacando essas como agentes das transformações históricas, o ensino continuou imerso em uma abordagem estruturalista em que a história era estudada como conseqüência de estágios  sucessivos e evolutivos. Nessa época além da importância da História para a formação do cidadão político, ela passou a ser fundamental para a formação do pensamento crítico desse cidadão.
O período que vai da Segunda Guerra Mundial até a década de 70 caracterizou-se por dois momentos de implantação dos Estados Sociais ( áreas de integração do saber com ênfase para as questões conjunturais e cívicas) – O fim da Ditadura Vargas e durante o Governo Militar de 64.
Durante a Guerra Fria e sob a influência dos Estados Unidos e a concepção tecnocrata  houve uma desvalorização da área de humanas em favor de um ensino mais técnico voltado para a formação de mão-de-obra para a indústria. Houve redução da carga horária do ensino de História e Geografia e avanço dos estudos Sociais.
Como advento da Lei 5692/71 no governo militar de 64, ao lado da Educação Moral e Cívica (EMC) e da Organização Social e Política Brasileira (OSPB) os Estudos Sociais esvaziaram os conteúdos de História e Geografia e valorizaram conteúdos de uma abordagem nacionalista destinada a justificar o projeto nacional do governo militar de 1964.
Nas décadas de 70 e 80 profissionais desencadearam lutas por todo o Brasil pela volta da Geografia e da História nos currículos escolar e extinção dos Estudos Sociais.
A partir da década de 80 com o processo de redemocratização do país, as diversas tendências historiográficas passaram a influenciar os currículos sensibilizando para questões relacionadas a História Social, Cultural e do Cotidiano o que permitiu rever o formalismo das abordagens históricas sustentadas nos eventos políticos administrativos ou nas analises econômicas estruturalistas.
Nesse contexto questões como sujeito histórico, produção histórica, ideologias subjacentes a produção historiográfica e ao ensino foram questionadas e denunciadas. Ainda nesse contexto outras questões levantadas foram :
·         Iniciar o ensino pela História do Brasil ou História geral.
·         Opção por intercalar conteúdos da antigüidade até a atualidade tendo como ponto de partida a crítica e abordagem eurocêntrica.
·         Iniciar com a história das Américas.
·         Introduzir conteúdos de história regional e local
·         Trabalhar com temas.
·         Considerar os estudantes como participantes ativos do processo de construção do conhecimento.
Criticas aos livros didáticos.
Todas essas questões estão encaminhando mudanças em relação aos objetivos, conteúdos e métodos do ensino de história no ensino fundamental que como FONSECA afirma:
“deve ser pensado no interior das mudanças sociais vivenciadas por nós em determinados momentos históricos”.[3]

Algumas outras questões a serem pensadas são:
·         A distancia entre o conhecimento escolar e o conhecimento acadêmico.
·         Necessidade de envolver a escola no debate historiográfico atual.
·         Diferentes percepções em relação ao processo ensino aprendizagem
·         Função social da escola e do professor
·         Relações entre currículo formal e currículo real.
·         As contradições fundamentais da escola  e tantas outras que poderemos levantar.
O importante me tudo isso é a necessidade do dialogo. Diálogo no sentido de recriar as relações de ensino. Relações professor e aluno, conhecimento histórico e realidade social, em benefício da História na formação social e intelectual de indivíduos para que de modo reflexivo e consciente, desenvolvam a compreensão de sí, dos outros e de sua inserção em uma sociedade histórica e da responsabilidade de todos na construção de sociedades mais igualitárias, mais justas e mais democráticas.
  
 BIBLIOGRAFIA

FERREIRA, N.T. Cidadania uma questão para a educação, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
FERRO, M. A Historia Vigiada, São Paulo: Martins Fontes, 1989.
FONSECA, S.G. Caminhos da História Ensinada. São Paulo: Papirus, 1993.
MUNHOZ, S.J. Para que serve a história ensinada nas escolas ? 3ª ed. IN: Repensando a História. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984.
BRASIL,, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação Fundamental: Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasilia: 1997, pp19-41
  
NOTAS

[1]  Mestre em Educação e graduada em História pela Universidade Federal do Espírito Santo e professora do curso de História do Centro de Ensino Superior Anísio Teixeira – CESAT.
 [2] MUNHOZ, Sidnei José. Para que serve a História ensinada nas escolas? IN: SILVA, Marcos A da (Orgs.) Repensando a História. 3ª ed. São Paulo : ANPUH. Marco Zero, 1984. P65-68.
 [3] FONSECA, Selva Guimarães. O Ensino de História no Ensino Fundamental: Do samba do crioulo doida a produção do conhecimento histórico. IN: VEIGA, Ilma P.A ; CARDOSO, Mª Helena F (Orgs.) Escola Fundamental Currículo e Ensino. Campinas, SP: 1991. pp157-170.

Fonte: http://www.angelfire.com/planet/anpuhes/mariaestolimar4.htm <consultado em 04/03/2014 - 08h15min.>  

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