Quando se pretende refletir, repensar
ou posicionar-se sobre um ensino de história que contribua para capacitar o
estudante a entender o processo social em que esta inserido e tomar posições no
complexo quadro de disputas e interesses sociais atuais, um ensino que supere a
situação que Munhoz afirma:
“que o ensino de
história tal como é ministrado na maioria de nossas escolas é factual e se
presta aos interesses das classes dominantes”. [2]
Diante disso é de fundamental
importância perguntar-se: porque a história faz parte do currículo escolar e
qual a sua importância na formação do jovem.
Para iniciarmos essa discussão sobre o
ensino de história no ensino fundamental é importante considerarmos os dois
marcos desse ensino, ou seja: a primeira metade do século XIX, com a introdução
da área no currículo escolar após a Independência, quando o objetivo era criar
uma “genealogia da nação, elaborou-se uma “história nacional” quando o ensino
era baseado em uma matriz européia e a partir de pressupostos eurocêntrico. O
segundo marco a ser considerado pode ser datado a partir das décadas de 30 e 40
do século XX quando o ensino é orientado por uma política nacionalista e
desenvolvimentista.
A história surge como área obrigatória
com a criação do Colégio Pedro II em 1837 tendo como referência o modelo
francês, quando predominava os estudos literários com ênfase para o ensino
clássico e humanístico e destinado à formação da elite.
Como área escolar, a História é
marcada pela convivência da História Sagrada, que tinha o mesmo estatuto de
historicidade com a História Universal e Civil. Ambas eram voltadas para a
formação moral do estudante.
A História Universal dava exemplo de
grandes homens da História, com o predomínio para o estudo do Oriente Próximo e
da Antigüidade Clássica. A História Sagrada concebia os acontecimentos como
providência divina fornecendo as bases para uma formação cristã. Nas escolas já
existiam divergências entre as abordagens e na importância que era atribuída a
Igreja na História, dependendo dos professores leigos ou católicos e o fato das
escolas serem públicas ou de ordens católicas.
Foi acrescentado a este programa a
História do Brasil, pois cabia a História Universal dimensionar a nação
brasileira no mundo ocidental cristão. O Estado brasileiro organizava-se
politicamente necessitando assim de um passado que legitimasse a sua
constituição. Os acontecimentos ensinados iniciavam-se com a história
portuguesa que destacava a sucessão de reis portugueses e seus
governos. Em seguida introduzia-se a história brasileira com as capitanias
hereditárias, os governos gerais, as invasões estrangeiras ameaçando a
integridade nacional. Os conteúdos culminavam com os “grandes eventos” da
Independência e da Constituição do Estado nacional.
Criado no mesmo ano que o Colégio D.
Pedro II, o Instituto Histórico e geográfico Brasileiro elaborou a sua primeira
proposta de ensino de história do Brasil,. Essa proposta enfatizava a
miscigenação (branco/negro/índio) mas defendia a hierarquização destacando a
superioridade da raça branca, privilegiava o Estado como principal agente da
História e enfatizava fatos essenciais na constituição do processo histórico
nacional como as grandes navegações, as façanhas marítimas comerciais e
guerreiras dos portugueses, a transferência e o desenvolvimento das
instituições municipais portuguesas no Brasil, o papel dos jesuítas na
catequese e as relações entre a Igreja e o Estado. A história é relatada como
uma verdade indiscutível e estruturada como um processo continuo, linear que
determinava a vida social do presente.
As reformas curriculares realizadas no
final d século XIX evidenciaram projetos que defendiam o currículo humanístico,
com ênfase para as disciplinas literárias, destinadas a formação do espírito,
outros desejavam introduzir um currículo mais científico, mais técnico e prático, adequado
a modernização que se propunha para o país. Os dois projetos
idealizados pensavam a história como disciplina escolar voltada para a formação
da nacionalidade.
Nas últimas décadas do século XIX
começaram a surgir críticas à redução da História a uma classificação
cronológica de dinastias ou um catálogo de fatos notáveis dos dois reinados. No
discurso republicano inspirado nas idéias positivistas, a
escola e o ensino deveriam denunciar os atrasos impostos pela monarquia e
assumir o papel de colocar os indivíduos e a própria nação na rota do progresso
e da ordem. O ensino da História passa a fundamentar uma nova nacionalidade
projetada para modelar um novo trabalhador, o cidadão patriótico. O Estado
agora sem a intervenção da Igreja permanece como principal agente histórico. A
História Nacional junto com a História da Civilização continua a enfatizar o
passado homogêneo, as lutas pelo território e a unidade nacional, difundindo
feitos gloriosos dos bandeirantes como Raposo Tavares e Borba Gato, Militares
como Duque de Caxias, mártires como Tiradentes, etc.
Nas primeiras décadas do século XX
surgem propostas alternativas ao modelo oficial com as escolas anarquistas que
propõe um ensino História voltado para os principais momentos de lutas sociais
como a Comuna de Paris, a Abolição, etc. Esses modelos são imediatamente
reprimidos pelo governo republicano.
A partir de 1930 a História do Brasil e
a História geral formam uma só área, A História da Civilização. O ensino da
História tentava legitimar o discurso da “democracia racial”. Em meados dos
anos 30 a educação adota o escolanovismo que apesar de propor abordagens e
atividades diferenciadas, nas salas de aulas era comum os estudantes recitarem
lições, decorar datas e nomes de personagens considerados mais significativos
para a História.
A partir de 1942 no contexto do “Estado
Novo” era tarefa do ensino de História criar nas novas gerações a consciência
da responsabilidade diante dos maiores valores da Pátria. A carga horária da
disciplina aumenta, a História geral e a História do Brasil passa a serem áreas
distintas. A história brasileira é privilegiada. A ênfase é dada às
comemorações de heróis em grandes festividades cívicas.
Na década de 50 e 60 por influência do
nacional - desenvolvimentismo, a História voltou-se para temas econômicos, são
feitos questionamentos so modelo agroexportador e valorização da industrialização.
O ensino de história passa a focalizar os ciclos econômicos em suas sucessões
lineares. A presença norte americana vai dar lugar no currículo a História das
Américas, especialmente a História dos estados Unidos.
No início da década de 60 a formação de
professores na perspectiva da História Nova com estudos sob a influência da
historiografia marxista, que ao invés de valorizar a trajetória vitoriosa da
burguesia, dava ênfase as transformações econômicas e aos conflitos de classe
social destacando essas como agentes das transformações históricas, o ensino
continuou imerso em uma abordagem estruturalista em que a história era estudada
como conseqüência de estágios sucessivos e evolutivos. Nessa época
além da importância da História para a formação do cidadão político, ela passou
a ser fundamental para a formação do pensamento crítico desse cidadão.
O período que vai da Segunda Guerra
Mundial até a década de 70 caracterizou-se por dois momentos de implantação dos
Estados Sociais ( áreas de integração do saber com ênfase para as questões
conjunturais e cívicas) – O fim da Ditadura Vargas e durante o Governo Militar
de 64.
Durante a Guerra Fria e sob a
influência dos Estados Unidos e a concepção tecnocrata houve uma
desvalorização da área de humanas em favor de um ensino mais técnico voltado
para a formação de mão-de-obra para a indústria. Houve redução da carga horária
do ensino de História e Geografia e avanço dos estudos Sociais.
Como advento da Lei 5692/71 no governo
militar de 64, ao lado da Educação Moral e Cívica (EMC) e da Organização Social
e Política Brasileira (OSPB) os Estudos Sociais esvaziaram os conteúdos de
História e Geografia e valorizaram conteúdos de uma abordagem nacionalista
destinada a justificar o projeto nacional do governo militar de 1964.
Nas décadas de 70 e 80 profissionais
desencadearam lutas por todo o Brasil pela volta da Geografia e da História nos
currículos escolar e extinção dos Estudos Sociais.
A partir da década de 80 com o processo
de redemocratização do país, as diversas tendências historiográficas passaram a
influenciar os currículos sensibilizando para questões relacionadas a História
Social, Cultural e do Cotidiano o que permitiu rever o formalismo das
abordagens históricas sustentadas nos eventos políticos administrativos ou nas
analises econômicas estruturalistas.
Nesse contexto questões como sujeito
histórico, produção histórica, ideologias subjacentes a produção
historiográfica e ao ensino foram questionadas e denunciadas. Ainda nesse
contexto outras questões levantadas foram :
·
Iniciar o ensino pela História do Brasil ou História geral.
·
Opção por intercalar conteúdos da antigüidade até a atualidade tendo
como ponto de partida a crítica e abordagem eurocêntrica.
·
Iniciar com a história das Américas.
·
Introduzir conteúdos de história regional e local
·
Trabalhar com temas.
·
Considerar os estudantes como participantes ativos do processo de
construção do conhecimento.
Criticas aos livros didáticos.
Todas essas questões estão encaminhando
mudanças em relação aos objetivos, conteúdos e métodos do ensino de história no
ensino fundamental que como FONSECA afirma:
“deve ser pensado no
interior das mudanças sociais vivenciadas por nós em determinados momentos
históricos”.[3]
Algumas outras questões a serem
pensadas são:
·
A distancia entre o conhecimento escolar e o conhecimento acadêmico.
·
Necessidade de envolver a escola no debate historiográfico atual.
·
Diferentes percepções em relação ao processo ensino aprendizagem
·
Função social da escola e do professor
·
Relações entre currículo formal e currículo real.
·
As contradições fundamentais da escola e tantas outras que
poderemos levantar.
O importante me tudo isso é a
necessidade do dialogo. Diálogo no sentido de recriar as relações de ensino.
Relações professor e aluno, conhecimento histórico e realidade social, em
benefício da História na formação social e intelectual de indivíduos para que
de modo reflexivo e consciente, desenvolvam a compreensão de sí, dos
outros e de sua inserção em uma sociedade histórica e da responsabilidade de
todos na construção de sociedades mais igualitárias, mais justas e mais
democráticas.
BIBLIOGRAFIA
FERREIRA, N.T. Cidadania uma questão para a educação, Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
FERRO, M. A Historia Vigiada, São Paulo: Martins Fontes,
1989.
FONSECA, S.G. Caminhos da História Ensinada. São
Paulo: Papirus, 1993.
MUNHOZ, S.J. Para que serve a história ensinada nas escolas ? 3ª
ed. IN: Repensando a História. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984.
BRASIL,, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Secretaria de Educação
Fundamental: Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasilia:
1997, pp19-41
NOTAS
[1] Mestre em Educação e graduada em História pela Universidade
Federal do Espírito Santo e professora do curso de História do Centro de Ensino
Superior Anísio Teixeira – CESAT.
[2] MUNHOZ, Sidnei José. Para que serve a
História ensinada nas escolas? IN: SILVA, Marcos A da (Orgs.) Repensando a História. 3ª ed. São Paulo : ANPUH. Marco Zero, 1984. P65-68.
[3] FONSECA, Selva Guimarães. O Ensino de
História no Ensino Fundamental: Do samba do crioulo doida a produção do
conhecimento histórico. IN: VEIGA, Ilma P.A ; CARDOSO, Mª Helena F (Orgs.) Escola Fundamental Currículo e
Ensino. Campinas, SP: 1991. pp157-170.
Fonte: http://www.angelfire.com/planet/anpuhes/mariaestolimar4.htm <consultado em 04/03/2014 - 08h15min.>
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