Felipe Bottini[1]
Volta e meia nos defrontamos com um
texto sobre sustentabilidade. O mais comum é algum tema relacionando sucesso
empresarial à preservação do meio ambiente e recheado de ingredientes como
empreendedorismo, inovação e respeito ao próximo. Ao terminar de ler fica
aquela sensação agradável de quem acaba de ler uma ficção. Então, fecha-se o
jornal e voltamos à realidade. Assim, a forma como se consome o tema
sustentabilidade é tão prazerosa quanto fictícia.
Essa é uma armadilha comum e que
concentra uma série de ponderações - a maioria pouco testada na prática, sobre
justiça social, respeito ao meio-ambiente, proposição de soluções tão simples
como surreais de resolver problemas complexos. Exemplo disso é dizer que
escovar os dentes com a torneira fechada vai resolver o problema da água ou que
separar os resíduos recicláveis dos não recicláveis solucionará o problema dos
resíduos sólidos, etc. Claro que essas são ações de cidadania relevantes, mas
qual a extensão dessas ações e em que medida podem promover a sustentabilidade?
Primeiro é necessário recorrer à
história. Em 1987, uma comissão da ONU elaborou o relatório intitulado “Nosso
Futuro Comum” que deu à expressão Desenvolvimento Sustentável a seguinte
definição: “[assegurar] a satisfação das necessidades presentes, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias
necessidades” A sustentabilidade é, portanto, o resultado exitoso do
desenvolvimento sustentável.
Muitas tentativas estão a ser feitas
para medir a sustentabilidade. Há indicadores que procuram expurgar e atribuir
valores a características sociais, econômicas e ambientais de forma a assegurar
governança e avaliação recorrente das métricas sustentáveis. Há padrões que
começam a surgir com o propósito de tornar a sustentabilidade e sua evolução
intra-instituições, tais como os programas de sustentabilidade corporativos com
metas e datas para revisão que permitem avaliar os avanços frente aos
investimentos e também a comparação inter-instituições simultaneamente como
tentativa de diferenciar os agentes sustentáveis no mercado - exemplo disso é o
índice de sustentabilidade da BM&F. Mas nenhum deles foi ainda capaz de
quantificar as alterações na “...capacidade das gerações futuras de suprir suas
próprias necessidades”.
Essa “ciência” para mensurar a
sustentabilidade ainda engatinha, mas tem papel fundamental. Há que se ampliar
a visão de abrangência e estimular programas amplos, que modifiquem o paradigma
estimulando o engajamento verdadeiro e diferenciando-se da velha conversa fiada
da sustentabilidade.
Isso tudo, que pode parecer um
exercício intelectual despretensioso e de uso duvidoso, ao contrário, começa a
ser visto por investidores e governos de forma estratégica. Uma empresa que se
preocupa com indicadores sociais e ambientais ao mesmo tempo em que os
resultados econômicos, valoriza seu capital humano e acaba por ter maior
fidelização dos recursos humanos e alinhamento de estratégia corporativa. Por
ter gente mais experiente, encontra mais eficiência nos processos, o que se
reflete em ganhos de produtividade e redução de custos, além de acabar por
desenvolver uma filosofia verdadeira de compromisso com o meio-ambiente de
entorno e stakeholders. No outro extremo, há os modelos de negócios predatórios
que se baseiam em artifícios momentâneos e brechas regulatórias e asseguram uma
renda elevada por um intervalo de tempo curto. Até que a sociedade encontre os
caminhos que impeçam uma atividade predatória, normalmente isso leva a uma
situação socioeconômica pior do que a que precede o início da atividade. É o
caso da extração aurífera na Serra Pelada, dentre tantos outros exemplos.
Assim, os cenários propositadamente
simplificados acima permitem duas opções de investimento. Aquele que é de
rápida penetração, risco e resultado e rápida saída, e que, normalmente, quando
bem-sucedido para o investidor é de péssima valia ao sistema socioeconômico
espoliado.
Tal como os dois cenários de
oportunidade, há também dois tipos de investidores. Aqueles que têm pouco ou
nenhum compromisso com os stakeholders além do próprio interesse do capital e
aqueles que buscam um modelo perene de governança e ganhos consistentes através
do tempo.
Mais uma vez, recorrendo ao exercício
de simplificação binária proposto nesse artigo, qual desses modelos pode
assegurar, emprego, renda, estabilidade social, ambiental e econômica no
longo-prazo? Evidente.
O desenvolvimento, sustentável ou
não-sustentável, é ato contínuo e já há como recorrer a fatos concretos para
avaliar o que é ou não melhor. Uma gestão pública não-sustentável das
ferramentas de crédito imobiliário nos Estados Unidos levou a uma crise em
escala global em 2008 da qual ainda muitos países são reféns.
Em contrapartida, o Brasil, que criou
as bases para uma economia preocupada em distribuir renda e reduzir
desigualdades, acabar com a pobreza extrema e dedicar praticamente metade dos
recursos públicos federais aos programas sociais, naquilo que poderia parecer
um ato populista e eleitoreiro, possibilitou, de fato, a promoção de uma
economia sólida e um crescimento da classe média - fenômeno único no mundo
nessa época de crise, evitando, inclusive, que houvesse recessão nos últimos
cinco anos.
A sustentabilidade, pois, vale muito,
tanto no âmbito corporativo quanto no âmbito da gestão pública. Sua ausência
tem um custo que tende a ser irreversível e por vezes, insuportável, enquanto
que sua prática acaba por promover uma economia mais justa, de menor flutuação
e risco e como diz o próprio nome: sustentável através do tempo.
Fonte:http://www.olhardireto.com.br/artigos/exibir.asp?artigo=Quanto_vale_a_sustentabilidade&id=5612
[1]
Economista pela USP com especialização em Sustentabilidade por Harvard.
Fundador da (www.greendomus.com.br) e da (www.neutralizecarbono.com.br) e
Consultor especial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD.
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