Marcus Eduardo de Oliveira[1]
É relativamente
recente a aproximação do pensamento econômico tradicional em relação às
preocupações em torno da questão ambiental. Ao longo do tempo, de forma
consensual, os economistas trataram a preocupação ecológica, envolvendo a vital
preservação do meio ambiente e das condições de vida, como simples retórica; em
alguns casos, muitos viam nisso não mais que uma mera manifestação romântica.
Evidentemente, excetuam-se nesse rol os chamados
"economistas-ecologistas"; principalmente àqueles que seguiram o
receituário conceitual da Lei da Entropia propugnado pelo romeno
Georgescu-Roegen e que tentam, à sua maneira, conciliar a economia com a
ecologia, bem ao modo do criador do termo ecologia, Ernst Haeckel (1834-1919),
que chamou a Economia de "Ciência da Natureza".
O
fato mais proeminente, contudo, é que com o passar do tempo e com o clima, o
ambiente, os ecossistemas (fatores bióticos e abióticos), a evidência cada vez
maior dos limites naturais e até mesmo nossos corpos estão dando sinais
evidentes de estresse e de degradação. A partir disso, o posicionamento técnico
dos economistas em relação ao meio ambiente começou a mudar significativamente
à medida que cresce, dia a dia, a conscientização de que devemos preservar o
espaço natural caso queiramos continuar contando nossa história de vida nessa
"Nave Terra" da qual todos somos passageiros e também co-pilotos.
No
entanto, embora venha ocorrendo considerável avanço nessa conciliação entre as
posições defendidas pelas ciências econômicas e pelas ciências ambientais,
ainda hoje não é raro presenciar, infelizmente, certo desdém de alguns
economistas tradicionais para algumas situações específicas que envolve a
questão principal de se preservar para crescer e de crescer sem destruir. E,
uma vez crescendo com moderação, saber distribuir. Atualmente, ainda
verificamos em algumas "mentes brilhantes", a idéia fixa de que é
preferível um impulso no crescimento da economia, mesmo que isso venha a acarretar
danos ambientais irrecuperáveis, pois seria esse crescimento econômico espécie
de "remédio" eficaz contra as mazelas sociais.
Com
isso, costumeiramente se faz vistas grossas à idéia de se buscar o equilíbrio,
visando atingir o substancial encontro da satisfação ao viver com menos, ao
consumir menos, ao comprar de forma moderada, ao estabilizar as relações
ambientais de forma harmoniosa com o processo produtivo econômico.
Todavia,
o fato é que não há como fugir ou fingir desconhecer certas verdades que permeiam
o pensamento tanto da economia quanto da ecologia que acabam, inevitavelmente,
se cruzando a todo instante.
Uma
dessas verdades envolve a certeza de que num dado momento qualquer o
crescimento econômico, idealizado e buscado por muitos, no afã de patrocinar
uma vida melhor para todos, desconsiderando ser isso um sofisma, irá gerar
custos ecológicos e sociais inerentes ao processo de produção.
Não
há como negar, nesse pormenor, que ao consumir estamos destruindo. Por sinal, a
palavra "consumir", do latim "consumere" (desperdiçar)
etimologicamente significa exatamente "destruir, dilapidar, pegar
intensivamente". O que não se leva em conta, para aqueles que insistem em
manter seus ouvidos moucos em relação ao perigo decorrente da destruição
ambiental, é que quase não precisamos produzir mais nada de novo.
O
que tem por aí - e há uma infinidade de coisas que muitos desconhecemos - já é
mais que suficiente. O problema das mazelas sociais, causada pela escassez em
algumas mãos, não decorre da inexistência de bens e/ou serviços, mas sim da
péssima distribuição. Mesmo a pobreza pode ser vista por esse prisma.
Entendemos que a pobreza/miséria, em todas suas maléficas manifestações,
decorre da existência de um sistema econômico que distribui de forma desigual
os recursos. Enquanto se privilegia sistematicamente uma minoria com total e
irrestrito acesso ao estoque global de produção, a maioria é largada na rua da
amargura encontrando apenas portas fechadas na hora de consumir. Isso fica mais
evidente quando nos deparamos com os números que evidenciam a brutal
distribuição desigual da renda. É inadmissível que apenas 15% da população
mundial tenha facilidade em consumir 85% da produção global, ao passo que 85%
da população do mundo tenta abocanhar apenas 15% de produtos e serviços
disponíveis.
No
Brasil, o país mais desigual da América Latina, os 10% mais ricos concentram
50,6% da renda. Assim, sobra pouco mais de 49% para ser "dividido"
entre 90% da população. Ora, sem uma condição de equilíbrio pautada na
conciliação entre o retirar da natureza, o fazer, o disponibilizar no mercado e
o distribuir, não se chegará a um porto seguro onde possa imperar paz e harmonia.
De
igual forma, ainda na esteira desse desequilíbrio, não há como fugir aos sinais
ambientais que são cada vez mais evidentes em termos de destruição natural. Ora
é o sistema de chuvas que se encontra totalmente descompassado, ora é o calor
que se faz cada vez mais extenuante, ora são as neves numa parte do planeta que
estão caindo de maneira mais intensa. Afora isso, computam-se árvores e bosques
que se extinguem a uma "velocidade" de 50 mil espécies por ano.
Soma-se a isso a queimada de florestas que continua num ritmo avassalador.
Sobre esse último dado, de acordo com o estudo "A Economia dos
Ecossistemas e a Biodiversidade" produzido pela União Européia em 2008,
estamos perdendo mais de 7 milhões de hectares anuais. Isso significa dizer 20
mil hectares por dia, o que equivale a uma superfície diária que corresponde a
duas vezes o tamanho de Paris, ou a aproximadamente 33 campos de futebol por
minuto.
Tal
qual essa destruição sem limites, também nossos corpos vão aos poucos recebendo
doses (e sinais) nocivas do efeito destruidor que se abate sobre o meio
ambiente. Em qualquer lugar do mundo, nos conta Annie Leonard em The Story of
Stuff, "em nossos corpos, incluído o de bebês recém-nascidos, aparecem
substâncias químicas industriais e agrícolas de caráter tóxico". Não muito
diferente disso, dada a contaminação do ar, são ceifadas anualmente as vidas de
mais de 1,5 milhão de pessoas ao redor do mundo que respiram ar impuro, isso
sem entrar no mérito da questão de que milhões e milhões de crianças e adultos
morrem às mínguas pela falta de acesso à água potável. Dito isso, a título de
finalizarmos essas palavras, a questão que se coloca como essencial é
promovermos o quanto antes a real e inseparável conciliação da economia com a
ecologia, a fim de vermos surtir os efeitos desejados que clamam pela
continuidade da vida. Efeitos esses que podem ser traduzidos em salvar vidas,
em respeitar os limites naturais, em praticar a preservação e, por fim, em
fazer valer a prédica que assegura que os laços da vida passam, antes de
qualquer outra coisa, pela questão ambiental. Sem o devido respeito para com a
Mãe Gaia, a casa que nos acolhe, é a nossa vida e a dos animais que estará em
perigo. Enganam-se os que acham que o planeta entrará em colapso. O colapso que
se avizinha tem endereço certo: a raça humana. Que pratiquemos urgentemente a
conciliação entre a economia e a ecologia para continuarmos dando o ar da graça
por aqui.
[1]
Marcus Eduardo de
Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São
Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br
- Fonte: http://blogdoprofmarcuseduardo.blogspot.com - http://www.revistamissoes.org.br/artigos/ler/id/2409
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