PAULO ZAVIASKY[1]
No ano de 1950, bem ali no fim de Cuiabá, na Rua General Mello, após a Santa Casa de Misericórdia, exatamente onde hoje está o sinaleiro de trânsito ou semáforo, após a Rua da Caridade ou Miranda Reis, havia o “casarão do Mundéu”. Assim era conhecido pelo seu tamanho.
Feita de terra, barro e capim ou taipa socada, grossas paredes de quase um metro de largura e oito metros de altura, sem forro algum e telhas de barro todas pretas das fumaças da cozinha. Grandes portas e janelas de pesadas madeiras com tramelas e trancas nunca usadas.
Dois enormes fornos de barro e pedras também “movidos à lenha” de onde saíram memoráveis bolos de arroz, empadinhas, pastéis e dezenas de bolos misteriosos e gostosos para todo mundo.
Lampiões “de querosene”, lamparinas, borrifos de chuva, gigantescas mangueiras dançavam em cima do telhado nas noites claras de luar naquele “fim de mundo” de tantas saudades. Na frente do casarão do Mundéu ficava a casa do Maestro China e sua família, amizade prá mais de metro.
Feita de terra, barro e capim ou taipa socada, grossas paredes de quase um metro de largura e oito metros de altura, sem forro algum e telhas de barro todas pretas das fumaças da cozinha. Grandes portas e janelas de pesadas madeiras com tramelas e trancas nunca usadas.
Dois enormes fornos de barro e pedras também “movidos à lenha” de onde saíram memoráveis bolos de arroz, empadinhas, pastéis e dezenas de bolos misteriosos e gostosos para todo mundo.
Lampiões “de querosene”, lamparinas, borrifos de chuva, gigantescas mangueiras dançavam em cima do telhado nas noites claras de luar naquele “fim de mundo” de tantas saudades. Na frente do casarão do Mundéu ficava a casa do Maestro China e sua família, amizade prá mais de metro.
Eu morei alguns meses lá, com as tias Naná, Preta, Pichuta, Nenê, Maria e todos os parentes que vinham até Cuiabá trazendo aquela boiada entupida de cangalhas com carne seca, muito leite, lenha, verduras... Tanta coisa, muita fartura, tudo da Fazenda “Abrilongo” de propriedade dessa minha gente, nossos valores, situada em Chapada dos Guimarães que ainda pertencia a Cuiabá.
Era gostoso empilhar aquele monte de melões, melancias, banana, carne seca, leite e tanta coisa de meu Deus nos cantos frios, até o telhado, de uma das enormes salas fechadas.
Era gostoso empilhar aquele monte de melões, melancias, banana, carne seca, leite e tanta coisa de meu Deus nos cantos frios, até o telhado, de uma das enormes salas fechadas.
Depois, todos organizavam uma “expedição” até a “Praia Rica”, debaixo da ponte de ferro do Rio Coxipó da Ponte, através daquela “floresta”, mato dentro, picada até lá, pois praticamente não havia casas do Mundéu até lá naquelas águas frias, cristalinas. Enigmáticos extraterrestres trocaram o nome de Chapada “DOS” Guimarães para “DE” Guimarães e a cortaram daqui só para que os americanos presbiterianos que eram donos do Colégio “Buriti” não fossem fiscalizados demais...
Mas, minha tia Naná Pacheco, líder da família que era professora e dava aulas ali mesmo naquela casa de sua gente que minha mãe pertencia, sempre fora uma santa mulher. Inteligente, carinhosa, delicada e com fineza de tratos invejável.
Sempre aconselhava todo mundo a ser evangélico, presbiteriano, bom e temente a Deus, mesmo em qualquer religião e me chamava a atenção seus conselhos sobre as heranças que fazem tantas famílias se desunirem.
Sempre aconselhava todo mundo a ser evangélico, presbiteriano, bom e temente a Deus, mesmo em qualquer religião e me chamava a atenção seus conselhos sobre as heranças que fazem tantas famílias se desunirem.
Ela demonstrava o quanto não ligava para heranças, pois Deus a tinha abençoada com tudo, menos o casamento do qual nunca se importou. Isso me marcou, perante exemplos que eu vi e conheci.
Mas, não demorou muito. Quando um dos familiares donos da enorme fazenda morreu, fizeram a partilha. Minha tia nada queria. Até o dia da divisão oficial que seria confirmada em Cartório aos herdeiros, inclusive ela.
Mas, não demorou muito. Quando um dos familiares donos da enorme fazenda morreu, fizeram a partilha. Minha tia nada queria. Até o dia da divisão oficial que seria confirmada em Cartório aos herdeiros, inclusive ela.
Foi um Deus-nos-acuda. Um escândalo de gritos e desespero, só faltando revólveres na questão. Minha tia tão serena ficou irreconhecível, fez questão de parar tudo, anular tudo, prender, matar, arrebentar. Todo mundo quieto.
Meus pais me contaram que tudo estava dividido certinho. Porém, como ela era mulher e nem sabia mexer com o gado ou fazenda, preocupando-se com as aulas aos meninos e ensinar a palavra de Deus nos cultos presbiterianos em sua casa, o Mundéu, um dos herdeiros pegou uma bigorna que estava jogada enferrujada num canto da casa e colocou na lista dele.
Meus pais me contaram que tudo estava dividido certinho. Porém, como ela era mulher e nem sabia mexer com o gado ou fazenda, preocupando-se com as aulas aos meninos e ensinar a palavra de Deus nos cultos presbiterianos em sua casa, o Mundéu, um dos herdeiros pegou uma bigorna que estava jogada enferrujada num canto da casa e colocou na lista dele.
Afinal, poderia ser útil para o seu sítio já dividido para moldar e pregar ferraduras. A família brigou doze anos. Um dos herdeiros chegou a propor a compra de uma nova bigorna para a minha bondosa tia birrenta. Mas, ela queria aquela pesadona, feia, enferrujada em nome de troféu do direito e culto aos entes queridos.
Aprendi a não confiar muito nas promessas humanas, por mais delicadas que sejam. Se um candidato me diz hoje que jamais será candidato ao governo, usando a prefeitura como trampolim, eu vejo a enorme bigorna de minha tia bem em cima da cabeça dele.
[1] Homenagem do: * O DIÁRIO DE CUIABÁ presta hoje uma homenagem ao jornalista PAULO ZAVIASKY que durante anos ocupou este espaço, sempre aos sábados, e que faleceu na madrugada de domingo, dia 19, vítima de câncer no estômago. Este foi o último artigo de PAULO ZAVIAZKY publicado no Diário, no dia 28 de julho, quatro dias antes de sua internação hospitalar. Fonte: http://www.diariodecuiaba.com.br
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