Antônio Emílio Angueth de Araújo[1]
Pesquisa revela que a implantação de cursos noturnos democratiza o acesso à universidade sem abrir mão do milenar princípio do mérito
Um argumento freqüente sobre as universidades públicas é o de que essas instituições abrigam uma esmagadora maioria de estudantes de nível socio-econômico mais alto. Corolário inevitável disso é que a parcela mais empobrecida da população estudaria, quando possível, nas universidades privadas. Mais recentemente, a questão racial veio se integrar ao debate nacional. Cobram-se das universidades públicas políticas de inclusão social e racial como compensação pelas desigualdades históricas que se estabeleceram no Brasil.
As universidades têm respondido timidamente e o debate ainda não se estabeleceu com base em estudos aprofundados. A preocupação com o acesso às vagas das universidades públicas pela parcela mais pobre da população é profundamente relevante. No longo prazo, a situação só será resolvida pela melhoria da educação básica pública, no plano nacional. Mas, é preciso reconhecer, não é possível esperar que isso aconteça. As universidades podem e devem desenvolver políticas de inclusão social, ou seja, de democratização do acesso a suas vagas.
Uma vaga em uma universidade pública é um bem público, que deve ter o melhor uso possível. O exame criterioso de sua ocupação se impõe de forma irrevogável. É urgente responder à seguinte pergunta: As universidades públicas podem desenvolver políticas de inclusão social para atender aos justos anseios sociais?
O estabelecimento de cotas, raciais ou de escola pública, parece responder afirmativamente a essa pergunta. Como tem sido implementada, no entanto, essa solução destrói o princípio do mérito acadêmico, fundador e mantenedor da milenar instituição universitária. Uma segunda pergunta, então, se impõe: Sem atentarmos contra o princípio do mérito, ainda é possível pensar em inclusão social e racial no ensino superior público?
Estudo realizado na UFMG1 responde afirmativamente a essa segunda indagação. Estudantes oriundos da escola pública têm entrado nos cursos da UFMG, já há alguns anos, em percentuais em torno de 40%. Portanto não é correto dizer que uma grande maioria de provenientes das classes sociais mais altas estudam na UFMG.
O problema, aqui, é de outra natureza. Em alguns cursos, os mais concorridos, o percentual de estudantes originários da escola média pública é pequeno, inferior mesmo a 20%. Portanto, por um lado, o percentual geral de provenientes da escola pública é bastante razoável; por outro lado, a sua distribuição pela diversidade dos cursos da universidade é irregular.
Olhando para os cursos noturnos existentes, observa-se neles uma maior presença da escola pública. Tomando-se três cursos de áreas diferentes, os percentuais dos aprovados da escola pública no Vestibular 2003 são:
A presença da escola pública nos cursos noturnos aumenta entre 300 e 370% em relação aos cursos diurnos correspondentes. Esses dados apontam imediatamente para a possibilidade de uma política acadêmica de grande alcance para a inclusão social nas universidades públicas. Note-se que a democratização do acesso, nesse caso, se dá sem nenhuma concessão. Todos se submetem ao mesmo processo seletivo.
A questão racial pode e deve também ser abordada de forma quantitativa. Os dados percentuais dos aprovados em 2003 que se autodeclararam negros e pardos, dos três cursos abordados acima, são:
Vê-se um potencial significativo de inclusão racial nos cursos noturnos. O aumento da presença dos negros e pardos varia entre 30% e 75%, conseguido, de novo, sem nenhuma concessão. Todos os outros cursos diurnos e noturnos apresentam dados semelhantes aos mostrados acima.
Se a origem escolar e a raça dos candidatos são analisadas de forma conjunta, as chances de aprovação geral para todos os cursos, pela raça e escola de origem, são:
Se a origem escolar e a raça dos candidatos são analisadas de forma conjunta, as chances de aprovação geral para todos os cursos, pela raça e escola de origem, são:
A tabela mostra que os negros e pardos provenientes da escola privada têm mais que o dobro de chance de aprovação que os negros e pardos provenientes da escola pública. Isso indica que qualquer política de reserva racial de vagas incluiria primordialmente os negros e pardos da escola privada, equivalendo, nesse caso, a uma cota socioeconômica às vessas.
Essa análise determina uma mudança de patamar das discussões sobre democratização do acesso ao ensino superior público no Brasil. Em primeiro lugar, a criação de cursos noturnos em áreas de menor presença da escola pública é um meio eficiente de inclusão social. Em segundo, a inclusão social significa, também, inclusão racial. Em terceiro e último lugar, uma eventual política de cota racial não promoveria a inclusão socioeconômica.
A partir de agora, o debate nacional sobre a democratização do acesso ao ensino superior público não pode se dar apenas em torno da política de reserva de vagas. Universidades e governo têm uma nova e fundamentada opção de política acadêmica para a atenuação das grandes desigualdades sociais estabelecidas no país.
1 “A propósito da democratização do acesso ao ensino superior: a perspectiva da UFMG” - Antônio E. A. Araújo, Maria do Carmo L. Peixoto, Mauro M. Braga, Ricardo Fenati
2 Considera-se que a escola de origem determina, em média, a condição socioeconômica. É altíssima a correlação estatística entre proveniência de escola pública e baixo nível socioeconômico.
[1] Professor do departamento de Engenharia Elétrica e coordenador da Comissão Permanente do Vestibular (COPEVE) UFMG. Fonte: http://www.ufmg.br/diversa/2/reservadevagas.htm
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