Vilson
Pedro Nery[1]
Wilson Nery |
O texto da lei às vezes nos permite interpretações diversas,
mesmo porque o significado das palavras muda através do tempo, a língua é
dinâmica e a polissemia é um fenômeno presente e influente nos diversos troncos
linguísticos.
No
campo do Direito isso acaba por provocar uma série de problemas de
interpretação dos textos normativos, gerando confusões, ilegalidades e por
vezes é causa da aplicação equivocada de alguns estatutos legais, gerando os
desvios de finalidade (vertente do abuso de autoridade).
O
setor educacional de Mato Grosso foi provocado pela sugestão governamental de
implantar o sistema de gestão privada nas escolas públicas estaduais por meio
das chamas parcerias público-privadas de que trata a Lei federal nº 11.079, de
10 de dezembro de 2004. Por meio dessa norma foram instituídas as regras gerais
para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da
administração pública.
Entendemos
que esse instrumento jurídico não pode ser aplicado na gestão das escolas
públicas (estaduais, municipais, distritais ou federais) não apenas pela
impossibilidade fática (seriam 72 contratos ou um contrato guarda-chuva?), mas
pela incompatibilidade da norma.
Vamos
nos ater a apenas duas premissas para justificar a opinião: 1ª) a Lei
11.079/2004 não prevê expressamente a sua aplicação na área educacional; 2) os
limites materiais impedem que haja diversos prestadores (parceiros), veda-se o
“fatiamento” de acordo com cada realidade socioeconômica de Mato Grosso (escola
indígena, escola quilombola, escola rural, escola assentamento).
Buscamos
justificar nossa interpretação identificando a “vontade da lei”, ou seja, a
opinião dos formuladores dessa política demonstrada desde a apresentação da
minuta do projeto de lei que instituiu as parcerias público-privadas.
Só
para registro: o Anteprojeto de lei nº 2546/2003 tramitou rápido, foi discutido
e aprovado em um ano, mas recebeu cerca de 500 emendas ao seu projeto inicial.
Pelos
debates parlamentares identificamos que o objeto da norma era buscar garantir
os grandes investimentos privados em rodovias, ferrovias, usinas hidrelétricas,
pontes e viadutos. Em comum esses alvos das PPPs têm entre si a característica
de serem obras de engenharia que envolvem grandes investimentos, e que podem
ser mantidas por meio do pagamento de tarifas, a chamada concessão patrocinada
[pelo usuário-contribuinte].
Diferente
da escola pública que não pode cobrar valores (tarifas, taxas) de seus usuários
sob pena de implantar o ensino censitário no país, permitindo que somente os
filhos das classes mais abastadas teriam o livre acesso às escolas, o que soa
absurdo.
A
segunda proibição que vemos como embaraço à Lei das PPPs para ser aplicada no
setor de educação é e vedação expressa do art. 2º, § 4º, que impede a
celebração de contrato de parceria público-privada cujo valor seja inferior a
R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), por período de prestação do serviço
seja inferior a 5 (cinco) anos, ou que tenha como objeto único o fornecimento
de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de
obra pública.
De
novo uma pergunta: serão 72 contratos? 1 para cada modalidade de serviço
(merenda, reforma de prédios, construção de muros, limpeza das salas)?
Fechando
esse raciocínio fomos buscar o Decreto nº 5.385, de 4 de março de 2005, ato
normativo federal que criou o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal
– CGP. O comitê federal envolve diversos ministérios, de diferentes áreas da
atuação governamental, menos o Ministério da Educação. Isso nos permite firmar
convicção de que nunca foi intenção da lei permitir a sua aplicabilidade no
setor educacional.
Antes
de fechar o nosso raciocínio rastreamos as justificativas demonstradas pelo
governo estadual conforme publicações do órgão gestor desta política, o MT Par
(MT Participações S/A). Até o momento foram publicadas 07 (sete) notas de
esclarecimentos à sociedade o que demonstra que o projeto de Gestão Escolar não
é autoexplicativo e nem mesmo o proponente sabe exatamente quais são os
objetivos buscados.
Talvez
o erro venha desde o planejamento. Identificamos um equívoco gravíssimo no
documento intitulado “PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE 001 / 2016 –
PMI-SEDUC/MT”, elaborado em 14 de abril de 2016.
Consta
que um dos fundamentos de fato buscados para justificar a entrega de setores da
educação pública para entes do campo privado teria sido buscado no trabalho da
professora Solange Lucas Ribeiro (2004), publicado sob o título “Espaço
Escolar: Um elemento (in)visível no Currículo”.
Ocorre
que o trabalho da professora baiana nada tem a ver com o tema de privatização,
o que ela defende é a existência de espaços públicos que permitam a educação
para pessoas portadoras de necessidades especiais. Esses usuários dos serviços
de educação (PNEs), à rigor, seriam ignorados e dizimados por uma gestão
público privada.
Por
fim, um argumento de natureza econômica. Segundo o professor José Eduardo de
Alvarenga (artigo publicado na Revista Eletrônica de Direito Administrativo e
Econômico) as parcerias público-privadas foram instituídas em países europeus e
na África do Sul, com bastante estardalhaço. Todavia o modelo não prosperou e
ainda busca em suas mutações encontrar um formato que permita a sua existência.
No
Reino Unido as FPI (Private Finance Iniviative) foram criadas em 1992 e tiveram
como resultado o enriquecimento ilícito, desvio de recursos e aumento de
tarifas. Em Portugal os SCUT (Sem Custo para o Utilizador) chegaram a consumir
em 2009, cerca de 900 milhões de euros no gasto com rodovias, o que representa
um acréscimo de cerca de 40% da despesa prevista com as outras estradas
mantidas pelo governo português.
Um
detalhe é que nem nas discussões sobre o projeto de lei no Brasil, e nem nos
modelos existentes no exterior os contratos são utilizados para o serviço de
educação, estaríamos usando nossas escolas e crianças de Mato Grosso como
“cobaias” de uma experiência que deu errado em outros setores da vida pública.
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