quinta-feira, 19 de abril de 2012

Ética planetária

Tarcisio Lemos Ribeiro

A intenção deste texto é considerar a efetividade da tarefa pastoral-evangelizadora, teológica, moral na transformação da sociedade. E esta consideração abrange o aspecto objetivo- no que diz respeito à eficácia da ação para mudar estruturalmente a sociedade – e o aspecto subjetivo – no que diz respeito à inquietação do agente sobre isso.
Há um desafio para o agente de evangelização de aceitar fazer, mesmo não tendo respostas, perguntas incômodas. Que potencial teria a religião, ou a fé, de influir para que a sociedade seja cada vez mais humana, com o aperfeiçoamento contínuo das estruturas e sistemas sociais? Trata-se de uma missão impossível?
Não se trata de responder e, assim, eliminar a inquietação, mas considerar a própria inquietação. Certamente todo agente de evangelização, leigo, religioso, ou clérigo questiona-se sobre a sua atividade sob vários ângulos: é apenas uma pastoral de manutenção, de sobrevivência para não se deixar corromper por este mundo perverso, e que vai continuar perverso?
É apenas um lenitivo para conviver com os problemas, sem resolver as causas dos problemas assim como, em alguns casos, o paciente deve conviver com a doença e não viver a doença? Pesa sobre o agente a possibilidade de constatar que, dadas as circunstâncias históricas mundiais, a atividade pastoral dos cristãos, seguidores de Jesus, não contribui em nada para a transformação da sociedade.
Causa perplexidades a constatação de que o comando da sociedade humana é exercido não em função da criação da harmonia social como resultado da justiça e igualdade, mas sim em função de interesses dos mais poderosos.
A avaliação da eficácia da evangelização para a transformação da sociedade, certamente não deverá obedecer exclusivamente (nem principalmente) a critérios sociológicos, políticos, econômicos... A convicção dos que crêem faz com que a leitura da realidade se faça em outra perspectiva, para perceber uma história de salvação e humanização protagonizada pelo próprio Deus que, inclusive é quem escolhe e envia evangelizadores; observando, ainda, que, como na expressão popular, “não escolhe os capacitados e sim capacita os escolhidos”. E os resultados disso tudo?
Nos filmes que pretendem simular, de algum modo, racional ou dramático, tentações de Jesus, as cenas vêm estereotipadas para induzi-lo a perceber que não irá adiantar nada o seu sacrifício. Cena típica, registrada no filme Paixão de Cristo, é o “diabo” (no Horto das Oliveiras) descortinando o futuro para que Jesus olhe o quanto serão inúteis a sua decisão, o seu sangue, o sangue de milhares... E mais: além de ser inoperante, a crença (considerada na tentação) só poderá piorar a situação, justificando qualquer tipo de injustiça e violência.
Certamente a inspiração da cena reflete as tentações atuais que todo agente de pastoral tem no seu dia a dia ao se questionar sobre a eficácia de sua atuação. Estaria a prática religiosa representando mais um lenitivo para o absurdo da situação e alívio para o sofrimento imediato do que, efetivamente, mudança da situação estrutural e conjuntural de sofrimento?
Não é próprio do agente evangelizador ter a sensação de fraqueza e impotência diante do grande desafio da construção da sociedade solidária. Por um lado sabe que não é contra forças comuns que luta. A advertência aos efésios (6,12-20) não é exagero, é realidade:
          “Enfim, sedes fortes no Senhor e no poder de sua força. Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às insídias do diabo. Pois não é contra sangue e carne que temos de lutar, mas contra as soberanias e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos do mal que habitam os espaços celestes. Ficai firmes, portanto, tendo a verdade como cinturão, a justiça como couraça e, como calçado aos pés, o zelo em propagar o Evangelho da paz; tendo sempre na mão o escudo da fé, graças ao qual podereis extinguir todos os dardos incendiários do Maligno; tomai, finalmente, o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus”.
          Por outro lado faz-se necessário perceber objetivamente a transformação da ordem temporal acontecendo de fato, sejam pelo aprimoramento do trabalho pastoral em seus recursos objetivos de articulações, técnicas, estratégias, seja no aspecto propriamente religioso da consciência de missão. Mesmo assim, porém, permanece a angústia de achar que, apesar de todo esforço articulado para a transformação social, o resultado é inexpressivo.
Muito usada em vários setores tem sido a expressão tirada de uma fábula de Fedro: ”e a montanha pariu um rato”. Supõe-se, no primeiro aspecto (mais racional), que aquele que faz acredita na eficácia do que faz. Esta convicção poderá advir da confiança no aspecto programático da ação demonstrada pela vitalidade da pastoral que já não se desenvolve no simples amadorismo e ingenuidade otimista.
E é demonstrada pelo pioneirismo de ocupação dos espaços sociais, nas lideranças dos movimentos solidários, na atuação dos leigos na construção da ordem temporal, na incursão no continente digital, na planificação dos projetos etc. E a convicção poderá advir igualmente, e até prioritariamente, da leitura religiosa da história.
Como ilustração do primeiro aspecto se poderia citar a atuação dos que fazem o trabalho de mentalização para uma ética planetária, abrangendo as áreas sócio-políticas, da bioética, da movimentação popular... Diz, por exemplo, um dos colaboradores do livro publicado pela Editora Santuário, “Ética Teológica Católica no Contexto Mundial”:
“Entramos na era de uma lei autenticamente universal, ius novum universale, a qual iniciou um processo de “fertilização cruzada humanocêntrica” A era do plenitudo iuris verdadeiramente começou”. (Antonio Papisca na abertura da Primeira Conferência Internacional Intercultural Católica Teológica Eticista)

“O paradigma dos direitos humanos implica uma pauta. Em outras palavras, devemos traduzir os direitos em programas funcionais, políticas públicas e ações específicas. Os princípios sagrados da velha lei entre os estados pacta sunt servanda e consuetudo servanda est não são imunes a esta pressão de olhar para o telos, que encontra expressão aqui na primazia do “novo” princípio humana dignitas servanda est .Isto implica: cidadania universal, o recurso da força, uma economia mundial, a condenação da guerra, o recurso da lei internacional, a promoção do cuidado com as crianças e a necessidade de promover dentro da religião um sentido do processo de dever e de respeito mútuo entre os crentes.”
          A teimosia dos agentes, com certeza, vem de mais longe: ”... não tenhais medo, pequeno rebanho!”, “...o povo viu uma grande luz”, “...está próximo o reino dos céus”, “...as trevas não durarão para sempre”, Certo é, porém, que tanto essa teimosia quanto a tentação/inquietação, são componentes da ação transformadora.
Fonte: www.a12.com

0 comentários:

Postar um comentário

Você Poderá Gostar:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...